Foto: Breno Fernandes

As chamas que destruíram 61 coletivos, caracterizando a maior tragédia do transporte de Salvador, bem como um prejuízo de milhões, tem o fato ainda mais agravado pela ausência de seguro dos veículos. O diretor do Sindicato das Seguradoras BA/SE/TO, Nelson Uzêda, esclarece ao Correio, em quais situações as seguradoras dispõe de coberturas para frotas deste tipo.

O prejuízo causado pelo incêndio que destruiu 61 ônibus da empresa Salvador Norte, do consórcio Integra, nesta segunda-feira (29) deve chegar a R$ 12 milhões. A informação foi divulgada por um dos diretores da Salvador Norte, Marcelo Santana, de acordo com o levantamento inicial da empresa.

Segundo ele, o número é baseado na idade da frota, embora um ônibus novo custe, em média, R$ 400 mil. A Salvador Norte, contudo, ainda não sabe dizer qual era o tempo médio de vida dos coletivos atingidos na garagem que fica na Avenida Santiago de Compostela, no Parque Bela Vista, em Brotas. Nenhum dos veículos tinha seguro.

“Ainda não sabemos quais são as causas do incêndio, nem onde começou. Quem vai dizer é a perícia do DPT (Departamento de Polícia Técnica). Foi por volta de meia-noite, mas conseguimos tirar boa parte dos carros, só que esses veículos têm muita fibra”, afirmou, em entrevista ao CORREIO.

Segundo Santana, a garagem abriga cerca de 230 coletivos. No momento em que o incêndio foi percebido, estavam no local a equipe de manobristas e a equipe de operação da garagem, que acionaram a brigada de incêndio do local.

Enquanto a brigada de incêndio tentava conter as chamas, os funcionários retiravam os ônibus da garagem e levavam para a rua. “Foi tudo muito rápido. Uma garagem dessas não fica com menos de 50 pessoas em qualquer horário do dia”, explicou.

Ao todo, a Salvador Norte conta com 874 ônibus, além de 80 veículos da frota reserva: Eles ficam em cinco garagens. Além da que foi atingida pelo incêndio, há duas em Pirajá e duas em São Cristóvão.

Sem seguro
Segundo o assessor de relações de trabalho da Integra, Jorge Castro, o fato de a empresa não ter seguro para os ônibus não é uma decisão rara. De acordo com ele, a visão geral das empresas de ônibus é de que o valor do seguro é tão alto que não compensa, do ponto de vista econômico.

“Ninguém hoje, no Brasil, quer fazer seguro de ônibus. É muito complicado, até porque é muito alto. É igual a um cara que tem uma Ferrari. Eles não fazem o seguro porque é muito caro. Normalmente, o seguro é feito com carros mais baratos”, exemplifica.

Ao CORREIO, o diretor do Sindicato das Seguradoras da Bahia, Sergipe e Tocantins Nelson Uzêda explicou que, até o fim da década de 1980, as empresas de ônibus costumavam fazer a apólice de incêndio de tradicional – até então, essas apólices permitiram que os coletivos estivessem dentro da cobertura do seguro. “Ao longo dos anos, verificou-se que isso era praticamente um erro técnico, porque estávamos fazendo seguro de incêndio e não caberia fazer seguro de bem móvel. É como se fizesse a cobertura de uma casa e já contemplasse a cobertura do carro”.

As seguradoras, então, passaram a oferecer os chamados seguros ‘multirrisco’, que contemplam incêndios, explosões, danos elétricos, roubos de bens até um determinado valor. Menos o seguro dos ônibus em si – esses teriam que ser adquiridos em uma segunda apólice.

Uma empresa segurada por uma das seguradoras do sindicato, por exemplo, que tem cinco garagens (cada uma segurada em até R$ 3 milhões) paga R$ 11 mil por ano no pacote multirrisco. “Os ônibus não estão mais aqui. Não é que a seguradora não aceite. A seguradora aceita, mas não na forma e no modelo que era feito antes”.

Quanto ao seguro dos próprios ônibus, ele acredita que as empresas não vejam vantagem financeira. A taxa média do seguro de um ônibus hoje fica em torno de 5% a 10% do valor do veículo. Assim, se uma empresa tiver uma frota de mil coletivos que custaram R$ 400 mil cada, o valor chegaria a R$ 40 milhões por ano.

Além disso, existe um seguro obrigatório por lei federal, que dá assistência a terceiros em casos de danos corporais ou materiais – é o de responsabilidade civil de operações.

Operação de emergência
Agora, segundo Marcelo Santana, a Salvador Norte está operando em um esquema “de emergência”. Por isso, foram deslocados ônibus da frota reserva da própria empresa e de outras bacias.

“Nós contamos com a solidariedade de outras empresas e com a equipe da Semob (Secretaria Municipal de Mobilidade), que nos acompanhou desde cedo. Somos uma família de cinco mil pessoas que estão todas unidades neste infortúnio e vamos para frente”, afirmou, sem saber detalhar quantos veículos da frota reserva estão sendo utilizados.

Ele acredita que em período entre 24 e 48 horas, a operação de transporte deverá ter sido completamente regularizada.

Enquanto isso não acontece, ao longo da manhã desta segunda-feira, o CORREIO esteve em alguns bairros de Salvador para ver como estava a situação nos principais pontos de ônibus. A empregada doméstica Maria Lima, 53 anos, ficou no ponto de ônibus do final de linha do bairro de Santa Cruz por cerca de 30 minutos esperando o veículo que a levaria até o Iguatemi.

A espera de acordo com ela, não é normal, já que, em outros dias, ela costuma esperar 10 minutos. No bairro, era possível ver ônibus de outra empresa circulando – um veículo da empresa Plataforma estava fazendo a linha Santa Cruz-Lapa. “Não sei se tem relação com o incêndio, mas não está normal”, disse Maria.

No final de linha da Pituba, o aposentado Antônio Borges, 64, também reclamou da demora. “Olha, eu venho aqui esporadicamente, mas já estou esperando há um bom tempo”, contou o aposentado.

No entanto, outras pessoas relataram que o fluxo de ônibus estava normal. “Vi umas pessoas reclamando mais cedo, mas, pelo horário, aparentemente está tudo normal. Eu, por exemplo, cheguei aqui no horário”, disse a vendedora de lanches Nércia Tereza, 55.

Um motorista, que não quis se identificar mas faz a linha Pituba-Lapa, contou que deixou de fazer a primeira viagem. O ônibus que ele circulava ficou queimado. “Deixei que fazer a primeira viagem, mas a empresa me deu um ônibus para que eu pudesse continuar trabalhando. Vamos esperar a poeira baixar, mas, até o momento, ninguém falou em demissão”, disse.

Fonte: Correio