A resiliência urbana na América Latina depende da integração entre planejamento, financiamento e transferência de risco — e, nesse contexto, o seguro se consolida como pilar estratégico para viabilizar obras, estabilizar finanças públicas e acelerar processos de reconstrução. O tema guiou os debates promovidos pela Marsh McLennan na manhã desta quarta-feira (19), na Casa do Seguro, durante a COP30, em Belém.
Ao abrir o painel, Eugenio Paschoal de Barros Antunes, chairman da Marsh McLennan, ressaltou que o desafio da urbanização é particularmente crítico no Brasil, onde 87% da população vivem em cidades ainda marcadas por déficits estruturais. Ele lembrou que 32 milhões de pessoas não têm acesso à água tratada e 90 milhões seguem sem coleta de esgoto. Para Paschoal, a infraestrutura concebida no passado não responde mais às pressões climáticas atuais. “Pontes, túneis e viadutos foram projetados para um cenário que já não existe. Como financiar a adaptação necessária? Como o setor de seguros pode induzir investimentos e reduzir riscos?”, questionou. Ele destacou, porém, que o país vive seu maior ciclo de investimentos em infraestrutura, estimado em R$ 650 bilhões — 80% via parcerias público-privadas —, e defendeu uma atuação conjunta entre Estado, empresas e sociedade. “Mutirão é a palavra-chave”, disse, citando o presidente da COP, Corrêa do Lago.
Sob a mediação de André Dabus, diretor de Infraestrutura e Construção da Marsh Brasil, o painel Construindo a Resiliência das Cidades na América Latina reuniu Amy Barnes, líder global de Clima e Sustentabilidade da Marsh; o embaixador Antonio da Costa e Silva, do Ministério das Cidades; Karla França, da CNM; e Rodrigo Corradi, do ICLEI América do Sul.
Dabus chamou atenção para o crescimento, na América Latina, do gap de proteção — a diferença entre as perdas econômicas e o que é efetivamente indenizado pelos seguros. Segundo ele, a ampliação do hiato resulta da baixa contratação de apólices e da subprecificação de riscos que se tornaram recorrentes. Para enfrentar o problema, defendeu modelos de análise e precificação que combinem dados meteorológicos, históricos de desastres e projeções climáticas, tornando as soluções mais realistas e sustentáveis.
A necessidade de financiamento contínuo foi o foco de Rodrigo Corradi. Ele alertou que a falta — e, sobretudo, a interrupção — de recursos impede municípios de consolidar projetos ou avançar à fase de implementação. Corradi propôs mecanismos permanentes de financiamento apoiados por bancos multilaterais, fundos climáticos e parcerias privadas, além de educação ambiental e participação comunitária para fortalecer políticas de resiliência. Ele lembrou que a América Latina é “o continente mais urbanizado e mais desigual do mundo”, combinação que agrava vulnerabilidades e amplia impactos de eventos extremos, como as enchentes no Rio Grande do Sul. Para ele, dados, mapeamento de risco e cooperação internacional são ferramentas decisivas para ampliar a capacidade técnica das prefeituras.
RESILIÊNCIA DAS CIDADES
A mobilidade urbana também entrou na agenda da resiliência. O embaixador Antonio da Costa e Silva defendeu a atualização dos marcos regulatórios para destravar projetos de urbanização integrada e reorganizar o transporte público, especialmente nas periferias. Ele reforçou que a transição para ônibus elétricos e sistemas sobre trilhos deve ser acompanhada de planejamento que reduza deslocamentos longos e garanta acesso equitativo. “Mobilidade é cidadania”, afirmou. O embaixador listou iniciativas em andamento — como renovação de frotas e investimentos em metrôs, trens e corredores —, mas reconheceu que avanços dependem de governança multinível para superar conflitos de competências entre os entes federativos. Ele também defendeu que seguros sejam tratados como investimento em gestão de risco, sobretudo em cidades já afetadas por enchentes, ondas de calor e falhas de infraestrutura.
Do ponto de vista das prefeituras, Karla França destacou que a adaptação climática esbarra na falta de capacidade técnica, especialmente em cidades pequenas sem equipes para elaborar planos de contingência ou projetos aptos a captar recursos. Essa fragilidade, afirmou, mantém um ciclo de vulnerabilidade: os municípios mais expostos são os que menos conseguem acessar financiamentos e seguros. Como alternativa, defendeu consórcios intermunicipais e estruturas de apoio técnico que viabilizem soluções baseadas na natureza, drenagem sustentável e sistemas de alerta também fora dos grandes centros.
Encerrando o painel, Amy Barnes ressaltou o papel do mercado segurador na jornada climática. Para ela, as seguradoras precisam recalibrar modelos de subscrição para refletir novos padrões de risco, identificar áreas vulneráveis com precisão e definir prêmios compatíveis. Além disso, devem garantir liquidez imediata após eventos catastróficos, condição essencial para acelerar a recuperação urbana.
Estabilidade Climática e Natureza
O segundo painel do dia, Importância da Natureza e da Água, abordou o papel dos recursos naturais na resiliência climática. Rodrigo Suárez, líder de Clima e Sustentabilidade da Marsh para a América Latina, destacou que degradação ambiental, insegurança hídrica e risco climático estão interligados, lembrando episódios como a crise energética no Brasil e o racionamento em Bogotá.

Palestrantes do segundo painel do dia, Importância da Natureza e da Água
A pesquisadora Swenja Surminski, diretora de Clima e Sustentabilidade da Marsh McLennan, afirmou que a adaptação deixou de ser conceito e tornou-se condição de sobrevivência. Ela ressaltou três pilares do setor de seguros nesse processo: uso avançado de dados de risco, soluções inovadoras — como seguros paramétricos — e mecanismos de financiamento para infraestrutura preparada para o futuro. Sem adaptação, alertou, muitos riscos podem se tornar inasseguráveis.
O pesquisador Paulo Barreto, do Imazon, apresentou dados que revelam a exposição de frigoríficos ao desmatamento e a baixa rastreabilidade da cadeia da carne no Brasil. A falta de controle, disse, eleva riscos financeiros e reputacionais, abrindo espaço para o setor segurador exigir práticas mais robustas de desmatamento zero. Ele também lembrou que mais de 75% da população amazônica vivem em cidades vulneráveis, reforçando a necessidade de investimentos em planejamento urbano e infraestrutura adaptada ao clima.
PROTEÇÃO DAS FLORESTAS
A proteção das florestas tropicais foi reforçada por Lívia Laureto, pesquisadora do IPAM, que destacou a proposta do Tropical Forests Forever Framework (TFF), mecanismo global de financiamento permanente para esses ecossistemas. No caso brasileiro, apontou as Florestas Públicas Não Destinadas (FPND) como eixo estratégico para conter o desmatamento, fortalecer comunidades tradicionais e estabilizar o regime de chuvas — elemento que impacta diretamente seguros agrícolas e urbanos.
Encerrando o painel, o deputado federal Fernando Monteiro (Republicanos/PE) chamou atenção para desafios básicos como a falta de água e saneamento em áreas vulneráveis de Belém. Para ele, revisar o marco do saneamento e investir em infraestrutura essencial são prioridades para proteger vidas e reduzir riscos assumidos pelo setor segurador. Monteiro defendeu soluções já existentes, como o reúso de água da chuva, e cobrou que o Congresso transforme discussões da COP em políticas concretas: “Não adianta só conversar. É preciso implementar”.
Fonte: CNseg








