Taxação de bets e fintechs pode ‘bancar’ despesa obrigatória do seguro rural

Proposta prevê usar projeção de arrecadação adicional com esses segmentos para demonstrar que há espaço orçamentário para a proteção das lavouras do país

 

A recorrente falta de orçamento para a subvenção do seguro rural no país tem levado parlamentares ligados ao agro, setor produtivo e indústria de seguros a articulações para garantir a disponibilidade de recursos e a obrigatoriedade de aplicação dessa verba pelo governo federal.

 

Uma das propostas em discussão para dar mais previsibilidade ao Programa de Subvenção ao Prêmio do Seguro Rural (PSR) é usar a projeção de arrecadação adicional com a exploração do petróleo ou da taxação de bets e fintechs, a partir de 2026, para demonstrar que há espaço orçamentário para a proteção das lavouras, segundo fontes do mercado segurador e técnicos que acompanham discussões no Congresso Nacional.

 

Projeto de lei da autoria da senadora Tereza Cristina (PP-MS) sobre o seguro rural prevê tornar os recursos destinados ao PSR despesa obrigatória no Orçamento Federal. Para isso, a proposta do PL 2.951/2024 precisa mostrar qual é a estimativa de impacto orçamentário e quais serão as medidas de compensação, como as fontes dos recursos, para cumprir a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF).

 

A definição desse item dependerá de uma articulação fina com a área econômica. Os ministérios da Fazenda e do Planejamento resistem a tornar a verba uma despesa obrigatória, pois a medida pode “engessar” ainda mais o orçamento federal, que já tem mais de 90% dos recursos nessa modalidade.

 

Na lista de opções para demonstrar o espaço orçamentário estão fontes do projeto de lei 458/2021, da revisão de gastos, que recuperou parte da Medida Provisória 1.303/2025, que determinava alta do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF). O texto prevê cerca de R$ 25 bilhões entre redução de despesas e aumento de arrecadação já em 2026. Aprovado na Câmara, aguarda aval do Senado.

 

Outra alternativa é usar recursos do novo marco do setor elétrico (MP 1.304/2024), aprovado pelo Congresso e que aguarda sanção presidencial. O texto do senador Eduardo Braga (MDB-AM) alterou o preço de referência do petróleo e poderá gerar arrecadação extra de R$ 8 bilhões por ano, segundo estimativas. Parte disso poderia bancar a despesa obrigatória do PSR.

 

Há também conversas para apontar os recursos da arrecadação extra com aumento dos impostos sobre as bets e fintechs prevista em projeto de lei do senador Renan Calheiros (MDB-AL). Há dúvidas, no entanto, sobre a viabilidade de incluir fontes de propostas ainda não sancionadas.

 

A indicação da origem de recursos para compensação financeira não obriga que o dinheiro obtido com a arrecadação daquela fonte seja aplicado no seguro rural. O artigo 17 da LRF exige a demonstração, sem essa vinculação direta da nova receita. A exigência é que fique comprovada a existência de valores suficientes para bancar a despesa obrigatória, sem afetar o equilíbrio fiscal. A compensação pode ser feita com a redução de outros gastos.

 

No Ministério da Agricultura, a proposta é vincular parte do orçamento destinado ao Programa de Garantia da Atividade Agropecuária (Proagro), espécie de seguro rural público gerido pelo Banco Central, cuja verba já é uma despesa obrigatória, para o PSR. Para 2026, a previsão é que o Proagro tenha R$ 6,6 bilhões contra R$ 1,09 bilhão do PSR.

 

A decisão deverá ser tomada em breve para a votação do projeto na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado Federal. O parecer do senador Jayme Campos (União-MT) será alterado para incluir a fonte de compensação. Se aprovado lá, o projeto terá que ser avaliado pela Câmara dos Deputados.

 

é a palavra de ordem para as empresas que atuam com seguro rural, enfatizou o diretor de Relações Institucionais da Confederação Nacional das Seguradoras (CNseg), Esteves Colnago. “O projeto pode ser uma virada de página”, disse à reportagem.

 

Com os extremos climáticos e a maior recorrência desses eventos no campo, a agropecuária acumula perdas de R$ 420,1 bilhões nos últimos dez anos, segundo levantamento da Confederação Nacional dos Municípios (CNM). Desde 2015, as companhias de seguro já pagaram quase R$ 40 bilhões em indenizações a produtores rurais. Em 2025, apenas 3% da área cultivada deverá ter seguro com subvenção. São 2,2 milhões de hectares até o momento.

 

O ministro da Agricultura, Carlos Fávaro, defende transformar o orçamento do seguro em despesa obrigatória. Na semana passada, ele disse que já há definição da fonte dos recursos, mas não informou qual. A oficialização da proposta, a ser incluída no projeto do Senado, dependeria apenas do aval do presidente Lula.

 

A medida pretende evitar cenários como o atual, em que mais de um terço dos valores iniciais do orçamento de 2025, de R$ 1,06 bilhão, foram bloqueados sem perspectivas de liberação até o fim do ano, o que gera menos acesso à política no campo e um desarranjo no planejamento das seguradoras.

 

A despesa prevista para o PSR em 2026, de R$ 1,09 bilhão, corresponde a 0,4% das despesas discricionárias, que podem ser alvo de cortes. Consultado, o Ministério da Fazenda não quis comentar. O Ministério do Planejamento não retornou. Fontes afirmam que ainda será necessário “evoluir mais um pouco” na articulação com a equipe econômica, mas que a proposta em discussão “não fica no vazio” e há recurso para “sustentá-la”.

 

A declaração de Fávaro e as mudanças defendidas por ele, no entanto, podem atrasar a análise do projeto no Senado.

 

A reportagem apurou que a Fazenda tem outras ressalvas que precisam ser solucionadas para levar o texto à votação. Uma delas é quanto à tributação das operações de seguro rural. Atualmente, elas são isentas, mas um decreto em vigor prevê a taxação a partir da implementação do Fundo Catástrofe, que é viabilizada pelo projeto de lei. Permanecem abertas as discussões sobre a fonte de compensação do aporte da União nesse fundo.

 

Fontes que acompanham o assunto já dão como certa a tributação das operações do seguro rural. A Fazenda também quer abrir espaço para atuação de empresa pública ou agente financeiro oficial no comitê gestor do fundo. A indicação seria da Agência Brasileira Gestora de Fundos Garantidores e Garantias (ABGF). As seguradoras são contra. (Colaboraram Gabriela Guido e Caetano Tonet, de Brasília)

 

Fonte: Revista Globo Rural Online