Aos 80 anos, empresa líder em seguro de carros divulga pela primeira vez seu balanço completo de gases de efeito estufa e metas climáticas
O impacto das mudanças climáticas sobre o setor de seguros é inegável. Chuvas intensas, secas e incêndios pressionam preços e limitam a oferta de apólices para casas, carros e empresas. Mas uma nova questão ganha espaço: de que forma o próprio negócio das seguradoras contribui para agravar a crise climática?
A Porto Seguro, líder de seguros de carros no Brasil, divulgou pela primeira vez seu inventário completo de gases de efeito estufa este ano, em que completa 80 anos. Para construir um plano de descarbonização, a seguradora passou o último ano trabalhando no diagnóstico de sua carteira e definiu, também pela primeira vez, metas para 2030.
O cálculo da pegada de carbono do setor é complexo. O impacto climático do negócio em si é desprezível se comparado ao de uma empresa de energia, transportes ou agricultura. Mas suas apólices cobrem os riscos de todas essas atividades, o que entra na conta das emissões indiretas das seguradoras – conhecido como escopo 3, onde também entra a carteira de investimentos.
As emissões totais da Porto Seguro somaram 2 milhões de toneladas de carbono equivalente em 2024. Só o escopo 3 responde por 99,8% delas. Nele são contabilizadas as emissões seguradas e financiadas, uma vez que a empresa tem três negócios: seguros, banco e uma gestora de recursos.
“Dentro do processo de revisão estratégica, identificamos o que era material para o negócio. E o número de temas que passamos a olhar foi maior em função das mudanças climáticas”, diz Patrícia Coimbra, diretora de gente e cultura da Porto Seguro.
Calcular emissões seguradas, como são chamadas as provenientes da cobertura de um seguro, é um grande desafio para o setor mundialmente. Um estudo da consultoria Crowe com empresas americanas e europeias mostra isso: 29% disseram buscar reduzir suas emissões seguradas restringindo a cobertura em suas carteiras, mas 65% ainda não realizaram nenhum cálculo para avaliar suas emissões.
“Ao longo de 2023, algumas companhias internacionais começaram a se movimentar, fazer testes, mas no Brasil a Porto Seguro foi a primeira a calcular as emissões seguradas”, afirma Bruna Araújo, gerente de finanças sustentáveis da WayCarbon, consultoria que assessorou a seguradora na contabilização e no plano descarbonização.
O levantamento foi realizado com base na metodologia da Partnership for Carbon Accounting Financials (PCAF), referência do mercado financeiro e cujo padrão a para o setor de seguros foi lançado em 2022.
A Porto Seguro começou a fazer as contas do carbono em 2011, mas de maneira incompleta. O número incluía as emissões diretas da operação (escopo 1) e as da compra de energia (escopo 2), mas as relacionadas à cadeia de valor cobriam poucos itens. Agora, o dado é completo: entram as operações no Brasil e Uruguai de seguros e financiamento de veículos, empréstimos a pessoas jurídicas e empresas investidas da gestora.
Leia-se por cadeia de valor: 18 milhões de clientes, 14 mil funcionários, 46 mil corretores e cerca de 3 mil oficinas mecânicas e concessionárias parceiras. Com ações negociadas na bolsa de valores, a Porto Seguro faturou R$ 37 bilhões em 2024.
Metas
A estratégia de sustentabilidade da seguradora ganhou o nome de “Regenera”, para marcar a aspiração de que é preciso restaurar e transformar, não só preservar. Se assemelha ao novo conceito que a Natura trouxe no seu plano estratégico de 2050, de “regenerativo” no lugar de “sustentabilidade”.
O plano abrange os cinco anos entre 2025 e 2030 e definiu como meta reduzir em 40% suas emissões diretas (escopo 1) e indiretas associadas a compra de energia elétrica (escopo 2) com base em 2023; ter 100% de energia renovável em sua operação; e dobrar a reciclagem de carros.
Nesta última frente, a seguradora tem uma empresa chamada Renova Ecopeças, que compra veículos que não podem mais voltar a circular (a maioria proveniente de “perda total”). As peças ainda em condições de uso são vendidas com controle de origem e certificado do Detran. Os componentes não reutilizáveis são reciclados ou descartados de forma ambientalmente adequada.
No ano passado, foram desmontados 2,6 mil veículos, com 2,9 mil toneladas de resíduos reciclados e reaproveitados. “O Brasil ainda tem uma taxa muito baixa de reciclagem de veículos. A gente reaproveita praticamente 100% do carro”, diz Viviane Pereira, gerente de sustentabilidade da Porto Seguro.
Entre as metas sociais, a segura definiu como compromisso de ter em cargos de liderança 30% de pessoas negras e 50% de mulheres, além de investir R$ 40 milhões em projetos sociais, culturais e esportivos.
Soluções
Não foram estabelecidos objetivos específicos para o escopo 3, onde estão as principais emissões, mas elas são contempladas indiretamente em outras duas metas. Uma é de produtos: comercializar R$ 13 bilhões em produtos com atributos sustentáveis e de impacto positivo até 2030. A outra, de relacionamento com fornecedores: 100% da cadeia deve ser monitorada com base em critérios de sustentabilidade – conformidade com legislação ambiental, social e trabalhista.
“A gente dá o passo do tamanho que acha possível, sendo realista. Fizemos os cálculos de emissões futuras, um estudo dos projetos que já existem, buscamos outras iniciativas no mercado e, com isso, estabelecemos uma meta de redução para as emissões diretas”, diz Pereira.
A seguradora estuda como encaixar soluções de adaptação climática em seus seguros, mas ainda não tem produtos na prateleira. “A seguradora não vai necessariamente deixar de fazer seguro para um carro que emite muito carbono, é outro tipo de solução que tem que ser buscada”, afirma Nathalia Pereira, coordenadora de finanças sustentáveis da WayCarbon.
Ela cita exemplos de iniciativas internacionais como a “pay-per-use”, em que o seguro é desenhado com base no uso do veículo. “Se tem um consumo de combustível menor, ou se for um veículo elétrico, por exemplo, existe um incentivo na precificação do seguro com base no uso dele”, explica.
No Brasil, há um desafio adicional neste campo: a frota de veículos tem uma média de idade maior, ou seja, é mais velha – o que significa carros menos eficientes e mais poluidores. Pereira conta que uma preocupação que a Porto Seguro trouxe ao longo do projeto foi pensar em incentivos que reduzam as emissões, mas que não limitem o acesso ao seguro, ao entender que as coberturas também desempenham um papel social.
Fonte: Uol