Consulta Pública sobre a Ampliação da Cobertura de Alagamento e Inundação no Seguro Residencial: Análise de Impacto Regulatório da SUSEP

Consulta Pública sobre a Ampliação da Cobertura de Alagamento e Inundação no Seguro Residencial: Análise de Impacto Regulatório da SUSEP

Em 15 de julho de 2025, a Superintendência de Seguros Privados (SUSEP) publicou seu relatório de Análise de Impacto Regulatório (AIR), submetido à consulta pública por meio da publicação do Edital de Consulta Pública nº 4/2025/SUSEP em 18 de agosto de 2025.

O objetivo do estudo é avaliar e propor medidas para ampliar a Cobertura de Alagamento e Inundação no seguro compreensivo residencial brasileiro – uma iniciativa que integra o Plano de Regulação 2025[1] da autarquia e reflete a crescente preocupação com os impactos financeiros e sociais dos desastres hidrológicos no país.

Contexto e Diagnóstico do Problema

A análise da SUSEP visou a identificar a robustez e abrangência das coberturas contratadas pelos segurados no que se refere a desastres hidrológicos, em um cenário de prejuízos bilionários. Entre 2000 e 2024, eventos hidrológicos como chuvas intensas, enxurradas, alagamentos, inundações e movimentos de massa causaram danos estimados em R$ 138 bilhões e prejuízos superiores a R$ 600 bilhões, afetando mais de 9 milhões de pessoas e destruindo ou danificando cerca de 2,6 milhões de habitações. 

A partir de tais constatações, a SUSEP confirmou a existência da lacuna de proteção securitária: apesar da magnitude dos danos, a penetração do seguro residencial permanece baixa. Apenas 20% dos cerca de 90 milhões de domicílios brasileiros possuem seguro compreensivo residencial, e menos de 0,14% contam com cobertura específica para alagamento e inundação. Essa lacuna é ainda mais evidenciada pelo fato de que, entre 2022 e 2024, as indenizações pagas pelo mercado segurador representaram apenas 0,28% dos danos materiais reportados por esses eventos. Tal cenário reforça a necessidade de medidas regulatórias para mitigar os riscos financeiros enfrentados por famílias, seguradoras e o setor público.

Experiência Internacional

O estudo também colhe subsídios de consolidados modelos internacionais para cobertura de riscos catastróficos, como o National Flood Insurance Program nos Estados Unidos, o Consórcio de Compensação de Seguros na Espanha, o Flood Re no Reino Unido e o sistema de seguro contra terremotos do Japão. Tais modelos evidenciam a importância de mecanismos de mutualização, pulverização de riscos e parcerias público-privadas para viabilizar a ampla cobertura de riscos catastróficos, inclusive com a participação do Estado como “ressegurador” ao lado das empresas privadas.

Alternativas Reguladoras Consideradas

A SUSEP propôs e analisou quatro alternativas para sanar a questão regulatória identificada:

  1. Não agir (mantendo o status quo);
  2. Exigir manifestação expressa do consumidor sobre a contratação da Cobertura de Alagamento e Inundação no momento da venda do seguro residencial;
  3. Incluir a Cobertura de Alagamento e Inundação em outras coberturas adicionais mais comumente contratadas (a exemplo da cobertura de vendaval);
  4. Tornar a Cobertura de Alagamento e Inundação parte integrante da cobertura básica do seguro compreensivo residencial.

Essas alternativas foram analisadas sob múltiplos critérios, considerando seus impactos sobre os seis stakeholders: (i) consumidores; (ii) governo; (iii) seguradoras; (iv) rede de distribuição; (v) resseguradoras; e (vi) SUSEP. Os critérios de avaliação incluíram também a efetividade da proteção, a liberdade de contratação, a variação de prêmios, a concorrência, a demanda por seguro e resseguro, e os custos regulatórios.

Resultados e Recomendação

A análise multicritério concluiu que a inclusão da Cobertura de Alagamento e Inundação na cobertura básica do seguro residencial (alternativa 4) é a medida mais eficaz para ampliar a proteção das famílias brasileiras, em razão dos potenciais benefícios desta opção: maior penetração no mercado securitário, redução da vulnerabilidade financeira, bem como o alívio orçamentário e maior previsibilidade na gestão de desastres para o governo. Isto, porque esta alternativa se beneficia da ampla dispersão territorial do risco, favorecendo a mutualização e a diluição dos custos, ainda que implique adaptações operacionais e regulatórias para o setor segurador. A alternativa de inclusão da cobertura em outras adicionais (alternativa 3) foi considerada intermediária, enquanto a exigência de manifestação obrigatória do consumidor (alternativa 2) mostrou-se menos eficaz, podendo inclusive gerar custos adicionais sem ganhos proporcionais de cobertura.

Consulta Pública e Próximos Passos

É interessante mencionar que a consulta pública de AIR, encerrada em 17 de setembro, revelou-se um mecanismo disruptivo no setor de seguros, viabilizando a participação do mercado e da própria sociedade em momento anterior à regulamentação da SUSEP. O formato da Consulta Pública nº 4/2025 permitiu contribuições relevantes na análise da raiz do problema identificado e não somente nas alternativas regulatórias para resolvê-lo. Foi possível contribuir com a adequação da metodologia e das alternativas consideradas, garantindo a atuação conjunta do mercado e do regulador rumo a uma solução definitiva. 

A ampliação da Cobertura de Alagamento e Inundação no seguro residencial representa um avanço relevante para a resiliência financeira das famílias brasileiras e para a sustentabilidade do mercado de seguros diante do aumento da frequência e severidade dos eventos climáticos extremos, a exemplo da inundação que assolou o Rio Grande do Sul no primeiro semestre de 2024. Considerando que se trata de tema relevante e com desdobramentos que impactarão diretamente o mercado segurador, acompanharemos de perto o desfecho da consulta pública e a implementação das medidas regulatórias propostas.

Diante desse contexto, fica claro que a análise conduzida pela SUSEP evidenciou a urgência na adoção de medidas para sanar a baixa penetração das coberturas de alagamento e inundação. Nesse sentido, além das discussões regulatórias e das contribuições colhidas na consulta pública, é importante destacar instrumentos inovadores que podem impulsionar a expansão da cobertura securitária para riscos catastróficos e climáticos, como a Letra de Risco de Seguros (LRS). Instituída pela Lei nº 14.430/2022 e regulamentada pela Resolução CNSP nº 453/2022, a LRS consiste em um título de crédito emitido por uma Sociedade Seguradora de Propósito Específico (SSPE), que capta recursos financeiros ao transmitir para os investidores riscos de seguros e resseguros. Embora ainda seja uma novidade no setor de (res)seguro brasileiro e exija acompanhamento atento, a LRS tem potencial para se consolidar como mecanismo de financiamento alternativo, reduzindo a dependência de soluções tradicionais, como a cessão de riscos em resseguro. Assim, sua aplicação mostra-se especialmente promissora em cenários de elevados riscos de perdas e danos, complementando as iniciativas regulatórias em curso.

Fonte: Machado Meyer (Por Cassio Gama Amaral, Thomaz Kastrup, Natália Salvador Veiga, Anna Vitória Cunha e Isabela Pereira)