Sustentabilidade vira eixo estratégico e reposiciona seguradoras na agenda climática

A sustentabilidade deixou de ser tema periférico e tornou-se eixo estratégico para seguradoras e instituições financeiras. Essa foi a avaliação dos participantes dos painéis promovidos pela Porto na manhã desta segunda-feira (17), na Casa do Seguro, a embaixada do seguro na COP30. O consenso foi que o setor pode acelerar a transição para uma economia de baixo carbono, fortalecer a adaptação climática e apoiar políticas públicas que tornem as soluções resilientes mais acessíveis.

Mediado por Claudia Prates, diretora de Sustentabilidade da CNseg, o primeiro painel reuniu Butch Bacani, head de Seguros do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (UNEP-FI), Patrícia Coimbra, diretora de Gente e Cultura da Porto, e Bruna Araújo, gerente de Finanças Sustentáveis da WayCarbon.

Claudia Prates lembrou que o limite de 1,5ºC — considerado o ponto crítico para impactos climáticos irreversíveis — já foi atingido em alguns períodos recentes. Segundo ela, cabe ao setor segurador assumir protagonismo na indução de práticas de redução de emissões, especialmente ao contabilizar e gerenciar as emissões associadas às carteiras seguradas e financiadas.

Fechar a torneira das emissões

Por sua vez, Butch Bacani apresentou um histórico da evolução do papel das seguradoras nas questões ESG. Assinalou, contudo, que manter o foco apenas na adaptação transforma o setor em “um copo sempre transbordando”. Para ele, é necessário atacar a fonte do problema: as emissões de gases de efeito estufa. “Se só lidamos com impactos, deixamos de lado as causas da crise climática. Net zero não é opcional, quanto mais tarde chegarmos, pior será o aquecimento. É preciso evitar a descarbonização no papel e focar na redução real das emissões na economia. Esse trabalho é novo e desafiador, mas indispensável.”

Bacani reforçou que o PSI nasceu para transformar o papel do seguro diante dos desafios globais, mas destacou que a agenda avança apenas quando governos, reguladores e mercado caminham juntos. Ele lembrou que países emergentes, como o Brasil, são fundamentais para testar novos modelos de seguro climático e acelerar soluções baseadas na natureza. Além disso, as seguradoras precisam ampliar sua capacidade de precificar riscos extremos em um cenário de eventos cada vez mais frequentes, e que a integração entre sustentabilidade e inovação tecnológica já não é uma escolha, mas um pré-requisito de sobrevivência.

Propôs ainda que setor deve assumir liderança moral e prática para “segurar o futuro”, criando produtos que reduzam risco e ampliem resiliência social.

Engajar é o verdadeiro desafio

Patrícia Coimbra detalhou o case pioneiro que colocou o grupo como o primeiro do Brasil — e entre os primeiros da América Latina — a calcular emissões seguradas, financiadas e investidas dentro do Escopo 3, Categoria 15.

Patrícia afirmou que apenas 5% das seguradoras no mundo calculam Escopo 3, e que o processo não se encerra com a primeira mensuração: trata-se de uma jornada de aprimoramento contínuo.

Ela também relacionou mensuração de carbono à estratégia de produtos, inclusão de filtros ESG na gestora, desenvolvimento de soluções sustentáveis no banco e na seguradora, e ações com fornecedores e prestadores — um universo que ultrapassa 45 mil corretores, 18 milhões de clientes e mais de 13 mil prestadores.

Para ela, essa adesão institucional do setor representa mais que um gesto simbólico: é um compromisso operacional que muda processos, métricas e a cultura de negócios. Acrescentou que as seguradoras brasileiras têm demonstrado maturidade ao incluir clima e governança nas decisões estratégicas, mas que ainda há lacunas importantes em dados, modelagem e articulação com o setor público. A transição energética, considera ela, precisa ser acompanhada por educação financeira e pela inclusão de micro e pequenas empresas, que são as mais vulneráveis a eventos climáticos.

Ela reforçou ainda que o Brasil tem potencial de liderar a agenda de seguros sustentáveis na América Latina, desde que mantenha coerência entre discurso e prática. Para ela, o momento exige coragem para inovar e transparência para medir impactos reais.

Contabilizar emissões seguradas

Responsável pela parte técnica da mensuração da Porto, Bruna Araújo, por sua vez, explicou que calcular emissões seguradas não é apenas um exercício de contabilidade ambiental, mas uma ferramenta poderosa de gestão de risco — especialmente os riscos de transição, aqueles associados a regulamentações, mudanças de mercado, tecnologia e percepção social.

Segundo ela, essas métricas permitem que seguradoras se antecipem ao impacto do mercado de carbono, identifiquem vulnerabilidades e redesenhem produtos e carteiras. Bruna lembrou ainda que a metodologia é recente e limitada, mas está em expansão mundial. Neste sentido, o Brasil se posiciona na vanguarda, graças ao case da Porto. “A Porto trouxe um desafio pioneiro: calcular emissões seguradas, financiadas e investidas simultaneamente. Porém, é preciso engajar empresas e cadeias para obter dados robustos — sem isso, não avançamos.”

O protagonismo do mercado financeiro na adaptação climática

O segundo painel da Casa do Seguro, dedicado ao tema “O papel do mercado financeiro para a adaptação climática”, contou com vozes das seguradoras, banco e do governo. Participaram das discussões: Patrícia Chacón, COO da Porto Seguro; Luciana Nicola, diretora de Relações Institucionais e Sustentabilidade do Itaú Unibanco; e Inamara Santos Mélo, diretora do Departamento de Adaptação e Resiliência do Ministério do Meio Ambiente. A moderação ficou a cargo de Denise Hills, membro do Comitê de Sustentabilidade da Porto.

Denise Hills comemorou o fato de o Brasil chegar à COP com planos estruturados e prontos para implementação pela primeira vez, e não mais com debates sobre intenção. Essa mudança cria o ambiente necessário para que o mercado financeiro (bancos, seguradoras e investidores) assuma papel protagonista na adaptação climática.

A visão das seguradoras

Patrícia Chacón destacou a mudança estrutural que o setor segurador enfrenta diante da escalada dos eventos climáticos. Segundo ela, a primeira etapa para qualquer estratégia robusta é a mensuração precisa: “Tudo começa com medir corretamente nossas emissões: escopo 1, 2 e 3.”

Ela lembrou ainda que o Programa Regenera, da Porto, se assenta em três frentes: (1) tornar a economia mais circular, com reciclagem de peças automotivas e descarte sustentável no contexto do programa Mover; (2) expandir a inclusão securitária — hoje, apenas 6% das perdas por desastres no Brasil contam com seguro, um gargalo crítico; (3) fortalecer a pronta resposta às catástrofes, com equipes mobilizadas em poucas horas, como ocorreu no Rio Grande do Sul, onde foram realizados mais de 5 mil atendimentos no primeiro mês.

Patrícia demonstrou preocupação com a lacuna de proteção, que representa um risco estrutural para o país e assinalou que a seguradora estabeleceu ainda a meta de R$ 13 bilhões em produtos socioambientalmente responsáveis, ampliando o acesso às coberturas de vendaval, alagamento, residência e automóvel com modelos mais enxutos e acessíveis.

A visão dos bancos

Luciana Nicola chamou a atenção para os crescentes investimentos do banco em sustentabilidade. O Itaú passou de um compromisso de R$ 400 bilhões para R$ 1 trilhão destinado à agenda sustentável até 2030, movimento acelerado pela demanda reprimida de empresas por apoio técnico e financeiro para repensar seus processos.

A estratégia central do banco foi descentralizar o conhecimento de sustentabilidade, treinando toda a área comercial para identificar oportunidades nos clientes. Isso permitiu criar produtos simples e escaláveis, como linhas com taxas diferenciadas para renovação de frotas, práticas de agricultura regenerativa ou proteção de solo com plantio de cobertura.

No agronegócio, o programa Reverte — parceria com Syngenta e TNC — já mobilizou R$ 2 bilhões, recuperando 270 mil hectares de áreas degradadas. “Sustentabilidade tem que ser economicamente viável para todos. Nosso papel é criar instrumentos que antecipem ações e reduzam riscos”, disse Luciana.

Ela destacou ainda o papel decisivo do Eco Invest, política pública baseada em blended finance, que permite alavancar capital estrangeiro com garantias do Tesouro. “Para cada R$ 1 captado do Tesouro, colocamos R$ 6 de capital internacional.” O novo ciclo do Eco Invest, lançado na COP, mira a Amazônia e tende a ampliar o alcance do capital catalítico para soluções climáticas inovadoras.

A visão do governo

Representando o Ministério do Meio Ambiente, Inamara Santos Mélo jogou luzes sobre a arquitetura do novo Plano Nacional de Adaptação, concluído antes da COP e construído por 25 ministérios. São 16 planos setoriais e mais de 800 medidas destinadas a reduzir vulnerabilidades climáticas em áreas como saúde, turismo, infraestrutura, agricultura e políticas sociais. “Uma economia sem resiliência climática não é uma economia capaz de gerar bem-estar. E desenvolvimento sem redução de vulnerabilidades simplesmente não existe.”

Para ela, a adaptação climática precisa romper a lógica atual do financiamento global, marcada por forte assimetria: enquanto 93% dos recursos são destinados à mitigação, menos de 10% chegam à adaptação — justamente a frente que protege vidas. A seu ver, essa distorção revela uma visão excessivamente financeira da agenda climática, que ignora o caráter ético e social do problema. As populações mais vulneráveis, já fragilizadas por desigualdades econômicas e territoriais, são as que mais sofrem com eventos extremos e, portanto, devem estar no centro das prioridades, declarou.

Enfrentar esse desafio exige uma governança multissetorial capaz de articular governo, setor privado e sociedade civil em torno de um pacto comum por cidades resilientes e desenvolvimento inclusivo. Ela defende que o Plano Clima oriente políticas nacionais e locais, garantindo que investimentos públicos e privados considerem responsabilidades éticas e não apenas retornos econômicos.

Após lembrar que 84% dos municípios brasileiros foram atingidos por desastres climáticos na última década, ela afirmou que a adaptação precisa chegar ao território — especialmente às áreas mais pobres — para reduzir desigualdades, fortalecer infraestrutura urbana e proteger famílias repetidamente expostas ao risco.

Fonte: CNseg