Eduard Folch diz que os alagamentos em grandes centros, como São Paulo, têm impacto crescente no seguro de veículos
Ns série CEOs na COP30, ele ainda detalha tendências que estão redesenhando a lógica dos investimentos climáticos no mundo
Belém (PA)
O avanço das mudanças climáticas já alterou, no detalhe, o mapa de riscos do setor de seguros no Brasil. Apesar de as enchentes no Rio Grande do Sul e os tornados no Paraná serem indicados como os dois grandes exemplos, explica o presidente da Allianz Brasil, Eduard Folch, o Brasil precisa ficar atento ao aumento de outras alterações climáticas.
“Raramente tínhamos de indenizar carros por causa de um alagamento na cidade de São Paulo. Hoje, isso faz parte do dia a dia da seguradora, e não é apenas na capital paulista, mas em outros centros urbanos do país”, diz o executivo à Folha, que realiza uma série de entrevistas com CEOs da COP30, em Belém.
CEO da EO Allianz Brasil, o espanhol Eduard Folch; executivo foi a Belém, no Pará, para participar da agenda de discussões do setor em paralelo à COP30
Segundo Folch, pesquisas globais da Allianz reforçam essa questão ao indicar que as cidades estão entre os locais que mais podem sofrer com a recorrência de eventos extremos – o que amplifica o número de pessoas afetadas e o tamanho dos prejuízos.
“As grandes cidades não costumam ter espaços verdes e impermeabilizaram o solo. Geram calor e gases de efeito estufa não só com o transporte, mas por causa do aquecimento dos prédios”, afirma.
Folch conversou com a Folha em Belém, no Pará, enquanto acompanhava a agenda de discussões da Casa do Seguro, espaço organizado para as empresas do setor discutirem, em paralelo à realização da COP30, os desafios da mudança climática.
Virou um ponto de encontro. Atraiu 18 C-levels (cargos de liderança sênior) e 67 executivos dos demais níveis, além de centenas de representantes dos mais diversos setores preocupados com riscos e investimentos climáticos.
Leia a seguir os principais trechos da entrevista.
Era muito comum ouvir que o Brasil é um paraíso, sem vulcão, furacão e terremoto, mas passou a sofrer mais com o clima. Como o setor recebeu as enchentes no Rio Grande do Sul e os tornados no Paraná?
É verdade que o senso comum dizia que o Brasil era um país menos exposto a mudanças climáticas. A gente tem visto isso mudar nos últimos dez anos. A CNseg lançou um hub de Inteligência Climática com análises bem interessantes. De 2022 a 2024, por exemplo, ocorreram 67 eventos climáticos significativos.
Sabemos que esses eventos serão mais recorrentes. Se você me pergunta se vai ter outro, a minha resposta é sim. Vai acontecer e ter impacto, mas não sabemos quando.
As pessoas normalmente percebem a mudança climática nessas catástrofes. O setor de seguros tem instrumento para ver no detalhe. Quais são os outros eventos?
Afora esses grandes, que recebem mais atenção da mídia, tem dois importantes. Um é alagamento em centros urbanos. Ontem mesmo, numa conversa com o Fábio Morita [diretor da Allianz], que tem 30 anos de experiência, lembramos que raramente tínhamos de indenizar carros por causa de um alagamento na cidade de São Paulo. Hoje, isso faz parte do dia a dia da seguradora, e não é apenas na capital paulista, mas em outros centros urbanos do país.
A segunda área que cresceu muito, e fica menos perceptível, é coberta pelo seguro agrícola. Seca era um fenômeno excepcional. Agora, é mais recorrente.
Se um fenômeno é mais agressivo e recorrente, o seguro tende a encarecer também. Como o setor lida com essa tendência do encarecimento?
Historicamente, o setor de seguro sempre se adapta. Quando os riscos da natureza aumentam, o primeiro ponto é conhecer o que mudou, depois, deixar claro em que condições o seguro consegue entrar. Quando não é assegurado, e fica muito caro, o setor busca alternativas para mitigar.
Vou utilizar um exemplo de fora. O furacão Andrew, na Flórida. Foi um fenômeno catastrófico, com muitas perdas, inclusive para asseguradoras. Ele levou ao que podemos chamar de uma colaboração público-privada: a alteração da regulamentação e da fiscalização para construção. Mudaram a forma de edificar, e isso permitiu que novos seguros fossem feitos. Esse tipo de colaboração é o caminho que o setor está seguindo. É importante trabalhar em conjunto para elevar a resiliência ao risco.
Tem alguma área no Brasil que já não é assegurada?
De forma geral, todas as áreas estão bem cobertas, mas começamos a ter dificuldades em algumas por causa do alagamento
A Allianz tem estudos em nível global sobre mudanças climáticas e seus efeitos. O que projetam os relatórios mais recentes?
Projetam aquecimento do planeta, com dois impactos: alterações climáticas mais recorrentes e, o que considero mais preocupante, mais intensas especialmente sobre cidades – e a população mundial está concentrada em grandes cidades.
As grandes cidades não costumam ter espaços verdes e impermeabilizaram o solo. Geram calor e gases de efeito estufa não só com o transporte, mas por causa do aquecimento dos prédios. O exemplo muito claro vem da Europa. O consumo de energia elétrica hoje é maior no verão europeu que no inverno, por causa do ar condicionado. É mais difícil esfriar que esquentar.
Outro ponto importante em relação a grandes centros é que, com o aumento do custo das habitações, as pessoas que chegam a essas grandes cidades também tendem a se instalar nas áreas que não foram utilizadas por que são de difíceis acesso, propensas a alagamento ou outros riscos.
Tudo isso faz com que a alteração climática afete um número maior de pessoas e gere mais prejuízos.
Diante disso, os estudos, imagino, recomendam uma revisão da forma como as cidades se organizam?
É crítico rever como as cidades se organizam. Vou dar dois exemplos.
A cidade de Singapura construiu parques alagáveis. Eles oxigenam a cidade, você pode utilizar no seu dia a dia para lazer, mas foi feito para drenar chuvas. Num evento extremo, um sistema alerta a população, e sabem que não podem usar os parques. No caso da cidade de Roterdã, nos Países Baixos, a situação geográfica já havia levado a adaptações contra as marés. Por causa das chuvas, criou praças esponjas, digamos assim – são preparadas para se alagar.
Faz alguma diferença para o setor a COP30 ser no Brasil, num local como Belém?
Reuniu o setor para tratar do tema. Neste aspecto, a Casa do Seguro em Belém é um marco.
O setor de seguros é um agente importante no combate à mudança climática. Pode contribuir nessa questão de aperfeiçoar a identificação dos riscos climáticos e a reação a uma catástrofe. Também somos grandes investidores. As empresas têm capacidade de dirigir recursos para financiar a resiliência da infraestrutura, financiar a redução da pegada de carbono das indústrias. A agenda de sustentabilidade das próprias seguradoras tem uma contribuição a dar de grande impacto.
A Allianz, por exemplo, tem um plano de transição energética para ela mesma e uma estratégia de investimentos sustentáveis. O portfólio atingiu ⬠171 bilhões em investimentos sustentáveis no ano passado. Temos a meta de colocar ⬠57 bilhões em investimentos em soluções de baixo carbono, e até dezembro 2024, já tínhamos alcançado ⬠43,5 bilhões, o equivalente a mais de dois terços da meta.
Pensando nessa contribuição, a gente tem duas ferramentas, que são utilizadas lá fora, e apresentamos aqui. A primeira é o Global Risk Assessment. Você coloca um endereço de qualquer lugar do mundo e diz qual é a probabilidade de um evento extremo – alagamento, vendaval, terremoto, vulcão. Também sugere o que você pode fazer para mitigar esse risco nesse endereço.
Aqui, para mostrar como funciona, a gente utilizou o endereço da Casa do Seguro.
E qual foi o risco?
Alagamento. A segunda ferramenta faz a mesma coisa, mas para empresas, e de um jeito um pouco mais sofisticado, porque faz projeções do risco para daqui 10, 20, 30 anos. Permite que a empresa entenda o seu risco no futuro e também possa escolher melhor o local onde vai instalar uma nova unidade, um galpão. Já está sendo utilizado na Europa.
A CNSeg propôs que o governo criasse um seguro privado obrigatório para garantir indenizações emergenciais a vítimas de catástrofe, mas a proposta ainda não vingou. Poderia dizer como funciona em outros países?
Existem diferentes modelos no mundo de colaboração público-privada nessa área. A União Europeia tem a sua. Nos Estados Unidos, há diferentes modelos por estado. O Brasil precisa achar o seu caminho. As empresas de seguro têm produtos para diferentes problemas. O mercado oferece alternativas. No entanto, é importante uma proteção mais institucional para atender as vítimas nesses momentos.
RAIO-X l Eduard Folch, 58
Espanhol, é graduado em economia e administração de empresas, com especialização em ciências atuariais, pela Universidade de Barcelona. Com mais de 30 anos de experiência no mercado de seguros, assumiu como presidente da Allianz Brasil em janeiro de 2018. Sob gestão destaca-se a aquisição das operações de Automóvel e Massificados da SulAmérica pela Allianz, em 2019
Fonte: Folha.com








