Clima extremo gera prejuízo de R$ 1,9 trilhão no mundo; qual o papel das seguradoras na adaptação?

R$ 1,9 trilhão: este é o total de perdas econômicas em decorrência das mudanças climáticas em 2024 em todo o planeta, segundo pesquisa da consultoria Aon. Somente no Brasil, o prejuízo ultrapassa os R$ 32,8 bilhões. O ano foi especialmente desafiador para o país, que figurou entre as nações mais impactadas pelos efeitos extremos do clima: foram 1.690 eventos naturais em todo o território, uma média de quatro casos por dia.

 

No Brasil, as enchentes no Rio Grande do Sul – que causaram 184 mortes e prejuízos de quase R$ 100 bilhões – tiveram apenas 6% das suas perdas amparadas, com pedidos de indenizações que superam os R$ 6 bilhões, de acordo com a Confederação Nacional das Seguradoras (CNseg). O cenário é agravado por uma lacuna na proteção por seguros: em todo o mundo, apenas 40% de todo o prejuízo estava coberto em 2024, deixando para trás perdas de US$ 211 bilhões.

 

Em meio a este cenário, as seguradoras são parte de um segmento que tem se destacado por sua estratégia de adaptação climática. Segundo dados da CNseg, o setor arrecadou R$ 751,3 bilhões em 2024, um crescimento de 12% na comparação com o ano anterior. As indenizações também aumentaram: foram embolsados mais de R$ 504 bilhões, alta puxada pelos resultados da saúde suplementar, que totalizou R$ 315,5 bilhões arrecadados.

 

O bom desempenho do setor se conecta com o suporte aos setores essenciais para a economia e a reconstrução de cidades devastadas. No entanto, em meio a maior frequência e intensidade dos eventos climáticos, o impacto às seguradoras também deve crescer: o novo padrão climático gera um aumento nas indenizações e dos sinistros. Segundo informações da Superintendência de Seguros Privados, as indenizações em 2024 chegaram a R$ 75,3 bilhões, alta de 8% ao ano. Já nas taxas de sinistros, o valor pago chegou a R$ 76,3 bilhões no último ano, quase R$ 6 bilhões a mais do que em 2023, conforme dados do Boletim IRB+Mercado.

 

Para a CNseg, a alta da precificação pode botar em risco novos contratos, mas manter os preços como estão coloca em xeque a estabilidade do setor.”A própria natureza da indústria de seguros está ameaçada”, explica Dyogo Oliveira, presidente da Confederação Nacional das Seguradoras (CNseg). “Nos baseamos na modelagem de análise de risco, que usa como referência as estatísticas passadas. Mas a mudança climática quebra a série temporal”, afirma.

 

Se o comportamento atual do clima não é o mesmo do passado, os modelos tradicionais não servem para avaliar o risco futuro, conforme explica o diretor. Isso não só altera a precificação dos produtos atuais, mas também pode impactar a capacidade das seguradoras de responder frente aos eventos climáticos no longo prazo.

 

Outro motivo de preocupação do setor é a baixa adesão aos seguros no Brasil – o que não ocorre apenas nas linhas focadas nas mudanças do clima, mas em demais segmentos do setor, como o seguro para automóveis. De acordo com dados da CNseg, 30% da frota de automóveis do país é coberta, e um quarto das moradias conta com seguros residenciais, uma porcentagem ínfima perto dos riscos cada vez maiores.

 

Entre as áreas mais ameaçadas está a agricultura. Apenas 7,7% da área cultivada no país conta com seguro rural, apesar das crises frequentes, como as secas, geadas e alagamentos: dos R$ 327 bilhões em perdas do setor privado com clima entre 2014 e 2024, 90% estão concentradas na agropecuária.

 

Seguro contra mudanças do clima?Mas afinal, existe um “seguro climático”? Segundo Oliveira, sim, mas não como uma categoria isolada. “Há muitos anos, temos coberturas para riscos climáticos incluídas dentro de outros tipos de apólices”, explica.Nos seguros de automóveis, por exemplo, eventos como vendavais, enchentes, granizo e raios já estão contemplados. No agrícola, perdas por seca, tempestade, geada ou enchente são coberturas naturais. E nos patrimoniais – tanto residencial quanto comercial – há proteções contra furacão, ciclone e alagamento. “O risco climático está disperso em várias categorias, mas ainda há muito o que fazer. Um caminho para a solução é criar produtos adaptados e customizados para as mudanças do clima. Para facilitar essa tomada de decisão, a CNseg deve lançar em novembro um mecanismo que avalia os riscos de inundação em diversos cenários e regiões”, explica o diretor da CNseg.

 

Novos produtos, no entanto, estão no radar do setor, como seguros para florestas e créditos de carbono, que já são discutidos entre as empresas. O fato, diz Oliveira, é que estamos em uma nova fase, desafiadora e preocupante, da emergência climática. “Acredito que a agenda de ação para os próximos anos deve estar diretamente ligada à agenda de resiliência. E os seguros têm papel fundamental nisso”, explica.

 

Adaptação climática e o setor privado”Se o que era um risco se torna recorrente, as infraestruturas do setor privado precisam estar adaptadas para essa mudança”. A afirmação é de Maria Netto, diretora-executiva do Instituto Clima e Sociedade, que explica que a fase atual da crise climática exige novas formas de planejar, integrar e o precificar o risco de forma justa.Ela aponta que setores que são comumente impactados pelos efeitos extremos do clima, como agricultura, saúde e infraestrutura costeira, devem integrar aos seus cenários as condições cada vez mais instáveis, facilitando a sua tomada de decisão. “Aplicando isso a seguros, reduzimos a necessidade de gastos governamentais, mas precisamos chegar a uma precificação adequada antes”, diz. Um exemplo são as enchentes do Rio Grande do Sul: do total de perdas, 94% não estavam cobertas, o que gerou gastos ainda maiores para a reconstrução do estado. Até o momento, o governo gaúcho já realizou investimentos de mais de R$ 7 bilhões na reconstrução de casas, infraestruturas e acomodação dos setores prejudicados.

 

Paulo Artaxo, professor do Instituto de Física da Universidade de São Paulo, explica mais sobre os riscos futuros do clima e como eles podem aumentar a vulnerabilidade da área de seguros. As chuvas que antes eram distribuídas por todo o país agora causam secas no Vale do Rio São Francisco e enchentes no Sul, uma mudança no padrão e na localização da precipitação. “Isso obviamente tem impacto sobre a economia brasileira, que é baseada no agronegócio. É possível que tenhamos que redesenhar a nossa vocação econômica nas próximas décadas”, explica. Para o seguro rural, a queda na produção pode comprometer o desempenho das seguradoras.

 

Artaxo explica que o padrão atual de emissões pode levar o planeta a um aquecimento de 3 °C a 4 °C ao longo deste século, enquanto o Brasil deve ficar uma média de 4 °C a 4,5 °C mais quente.

 

Nos 8,5 mil quilômetros de áreas costeiras do Brasil, o aumento do nível do mar deve ser próximo a 1,5 metro, impacto para infraestruturas como portos e aeroportos – e, por sua vez, as seguradoras patrimoniais. O peso dessas mudanças no clima é imediato. “A previsão é que eventos que aconteciam uma vez a cada 50 anos passem a ser 39 vezes mais frequentes e cinco vezes mais intensos se permitirmos que o aquecimento chegue a 4 °C”, explica.

 

Os seguros de saúde e vida também serão prejudicados. As mudanças no padrão climático são responsáveis por favorecer vetores de novas doenças, sobrecarregando o Sistema Único de Saúde. Além disso, as ondas de calor também devem trazer prejuízos para a população. Artaxo cita um estudo da Universidade Federal do Rio de Janeiro que aponta que entre 2000 e 2018, mais de 48 mil pessoas faleceram devido às ondas de calor, que agrava doenças cardiorrespiratórias e renais.

 

“Só existe uma forma de enfrentar essas questões: trabalhar de uma maneira integrada entre os principais drivers da mudança climática pelo fim dos seus efeitos e nas estratégias de adaptação e mitigação”, explica Artaxo.

 

Atuação das seguradoras contra a mudança climáticaA EXAME conversou com algumas das seguradoras que lideram a adaptação e mitigação climática para entender o que tem sido feito como política de mercado para proteger o negócio e os clientes.

 

Grupo AllianzA estratégia da Allianz passa por fornecer recursos para a adaptação do setor privado enquanto opera com o público para melhorar a capacidade de resposta às crises. “Oferecemos seguros e investimentos para apoiar a transição verde, além de aplicar critérios climáticos na subscrição de apólices e na alocação de ativos”, conta Mauricio Masferrer, diretor-executivo de negócios corporativos da Allianz Seguros e Managing Director da Allianz Commercial Brasil.Masferrer explica que uma dessas etapas é a utilização de dados na construção de previsões mais fiéis. A companhia implementou a plataforma Climate Adaptation and Resilience Services (Adaptação Climática e Serviços de Resiliência, em tradução livre), que transforma dados sobre o clima em insights estratégicos para a operação. Assim, riscos como inundações, tempestades tropicais, incêndios florestais e ondas de calor se transformam em números. A plataforma permite que o segurado realize avaliações detalhadas do risco aos seus ativos, medindo como deve ser o efeito a este bem hoje, em 2030, 2050 e 2080.

 

“Assim, as empresas podem antecipar impactos potenciais, quantificar perdas futuras e adotar medidas de mitigação, como relocalização, adaptação da infraestrutura ou diversificação da cadeia de suprimentos”, explica o diretor. Masferrer conta que as informações abrem margem para o desenvolvimento de novas linhas de negócio voltadas para a adaptação, o que fortalece a estratégia de longo prazo da seguradora.Entre as soluções hoje oferecidas, a Allianz oferece proteção e investimentos com foco na transição verde, como projetos de energia solar e eólica, veículos elétricos e híbridos e edificação sustentável, que geraram quase 5 bilhões de euros em 2024. Com isso, a companhia obteve uma alta de 25% na receita de soluções baixas em carbono desde 2022.

 

MAPFREGarantir que os prêmios de seguro reflitam os novos riscos climáticos: essa é a prioridade da MAPFRE. A companhia busca utilizar dados do histórico climático para incorporar na sua análise de riscos, especialmente na área agrícola, da qual é uma das líderes de mercado. “Integrar modelos avançados aos processos de subscrição nos seguros rurais é uma decisão estratégica da MAPFRE e permite identificar o risco real de cada operação”, explica a diretora de sustentabilidade da companhia, Fátima Lima.Segundo Lima, a MAPFRE busca mais tecnicidade para as soluções de controle e gestão de riscos, garantindo mais assertividade para cada região e tipo de risco climático. Isso inclui o uso de drones para averiguar os riscos no agro e o ajuste de coberturas para incluir as necessidades dos veículos elétricos. “A expertise que desenvolvemos no Brasil, um ambiente de alta complexidade climática e com uma economia verde em forte expansão, está sendo exportada para outras operações ao redor do mundo”, afirma a diretora.

 

Fonte: CQCS