Professor da USP destacou que o Brasil será um dos países mais impactados pelo aquecimento global, com efeitos diretos na saúde, no agronegócio, na disponibilidade de água e na economia como um todo
As mudanças climáticas já não são apenas uma preocupação científica ou ambiental: seus efeitos estão remodelando setores inteiros da economia. Quem fez o alerta foi o físico e professor da Universidade de São Paulo (USP), Paulo Artaxo, em apresentação no 3º Workshop de Seguros para Jornalistas, promovido pela CNseg no dia 22 de agosto.
Segundo ele, diferentes áreas serão afetadas de forma desigual, mas algumas estão sob risco mais imediato. “O setor de seguros é um dos mais vulneráveis às mudanças climáticas”, afirmou, lembrando que desastres naturais de grande porte, como as enchentes que devastaram o Rio Grande do Sul em 2024, abalam a confiança da sociedade e pressionam as empresas a reverem modelos de negócio.
O impacto, contudo, vai muito além. Artaxo ressaltou que o planeta já se aqueceu 1,55°C em média, mas como 75% da superfície terrestre é coberta por oceanos, os continentes, onde vivem as populações e se concentram as atividades econômicas, já ultrapassaram 2,2°C de aumento. “Provavelmente, chegaremos a um aumento médio de temperatura da ordem de 3°C ao longo deste século. No Brasil, isso significa até 4°C a mais, em algumas regiões”, alertou.
Eventos extremos cada vez mais frequentes
Um dos pontos centrais da fala foi o avanço dos eventos climáticos extremos. O IPCC estima que um fenômeno que no passado ocorria uma vez a cada 50 anos poderá se tornar 39 vezes mais frequente e cinco vezes mais intenso se o planeta aquecer 4°C. Esse cenário já encontra reflexo no presente: 2024 foi o ano mais quente já registrado no Brasil, com aumento expressivo de ondas de calor, secas prolongadas e chuvas intensas.
Na cidade de São Paulo, por exemplo, o número de dias com chuva superior a 80 mm, que é um volume suficiente para causar enchentes, se multiplicou por quatro desde 1935. Já no Cerrado, 76% dos municípios perderam recursos hídricos nos últimos 30 anos, segundo dados do MapBiomas citados por Artaxo.
Pressão sobre saúde e alimentos
O professor destacou ainda que as mudanças climáticas são hoje uma das maiores ameaças à saúde humana, segundo a Organização Meteorológica Mundial. Na Europa, uma onda de calor em 2003 provocou 70 mil mortes; em 2022, o número chegou a 60 mil. No Brasil, estudo da UFRJ, baseado em dados do SUS, calculou cerca de 48 mil mortes adicionais associadas ao calor em regiões metropolitanas. “Muitas vezes, as populações mais pobres e vulneráveis são as mais atingidas, com índices de mortalidade quatro vezes maiores”, disse.
A crise climática ameaça também a produção de alimentos. O Fórum Econômico Mundial já apontou que, em um planeta 3°C mais quente, a produtividade agrícola cairá nas regiões tropicais, incluindo o Brasil, cuja economia é fortemente baseada no agronegócio. A redução das chuvas no Brasil central e no Nordeste, além da elevação do nível do mar, que pode chegar a 1,5 metro até 2100, tendem a pressionar ainda mais a segurança alimentar. Para o especialista, essa situação levanta uma questão crucial: “Um Brasil baseado no agronegócio pode não ser um país tão viável já nas próximas décadas”.
Limites do “net-zero” e a saída possível
Artaxo foi categórico ao afirmar que os compromissos de neutralidade de carbono até 2040, 2050 ou 2060 não são realistas no atual ritmo de emissões. Ele lembrou que a produção de alimentos sozinha responde por 25% dos gases de efeito estufa, e que a perda de biodiversidade e os impactos socioeconômicos tornarão ainda mais difícil atingir o “net-zero”.
Diante do cenário, deixou uma reflexão: “A gente vai sair dessa? E a resposta é sim. Nós vamos sair dessa. Mas será preciso construir uma sociedade baseada nos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável”, disse. Para ele, a mudança climática deve ser vista como parte de uma transição da humanidade para um mundo mais sustentável.
A COP30 como oportunidade
Ao concluir sua apresentação, Artaxo lembrou a importância da próxima Conferência do Clima, a COP30, em Belém, que deve ser “a COP da virada”. Segundo ele, será necessário reduzir emissões tanto de combustíveis fósseis quanto do desmatamento, estruturar mecanismos de financiamento climático para países em desenvolvimento, investir em adaptação e reforçar o multilateralismo.
“O modelo socioeconômico que nos trouxe até aqui não é sustentável sequer a curto prazo. É urgente mudar a trajetória”, disse. E reforçou: “A mensagem principal é que o setor de seguros é um dos mais vulneráveis para as mudanças climáticas.”
Fonte: CNseg