Novo marco legal dos seguros domina debates na ABGR 2025

O novo marco legal dos seguros, que entra em vigor em dezembro, foi o eixo central da 16ª edição do Seminário de Gestão de Riscos e Seguros – EXPO ABGR 2025, realizada nos dias 12 e 13. O encontro reuniu seguradoras, corretoras, resseguradoras, prestadores de serviços e gestores de risco para discutir os impactos da Lei 15.040/24, considerada autoaplicável e com baixa necessidade de regulamentação adicional.

 

Embora o consenso seja de que a lei traz segurança jurídica e consolida práticas de mercado, especialistas apontam que os efeitos serão distintos para diferentes segmentos. Nos seguros massificados – como automóvel, vida e residenciais – há menor incerteza regulatória e maior previsibilidade na aplicação das regras. Já nos grandes riscos, que exigem negociação individualizada e envolvem resseguro internacional, permanecem dúvidas sobre interpretações, operacionalização e adequação de prazos.

 

Segundo o superintendente da Susep, Alessandro Octaviano, a principal missão do marco legal é reduzir a lacuna de proteção no país. “Dos R$ 100 bilhões necessários para reconstruir o estado [em referência ao Rio Grande do Sul], apenas R$ 6 bilhões vieram do setor de seguros. Esse é o desafio: pensar soluções para ampliar a cobertura no Brasil”, disse. Para ele, a lei “fala das garantias institucionais e insere confiança em toda a sua estrutura, com espaço residual para regulação complementar”.

 

De acordo com Dyogo Oliveira, presidente da CNseg, o tema foi exaustivamente discutido entre todos os players do setor. “Não há fantasmas”, afirmou. Segundo ele, a lei traz de maneira organizada e consolidada as principais práticas do mercado de seguros, mas impõe mudanças operacionais relevantes, em especial no tratamento de propostas e sinistros. Pela nova regra, quando uma proposta de seguro é recebida, a seguradora tem um prazo definido para manifestar recusa – caso contrário, o risco é automaticamente aceito. Essa exigência obriga as companhias a criar canais e fluxos internos para registrar e processar propostas com agilidade, especialmente em operações complexas.

 

Nos sinistros, a lei separa o prazo de regulação (120 dias) do prazo de pagamento (mais 120 dias), contados a partir da entrega de toda a documentação necessária. “A mudança exige comunicação constante entre segurado e seguradora e um papel mais ativo dos corretores, que passam a ter função central no trânsito de informações e na redução de atrasos”, afirma Felipe Nascimento, presidente da Mapfre no Brasil.

 

Oliveira acredita que um dos principais desafios será a interpretação da lei, que abre um leque grande de ideias para advogados. Ele recomendou para a plateia a leitura do livro “Lei de Seguros Interpretada”, com mais de 2,5 mil cópias vendidas desde o lançamento em abril deste ano. A obra reúne cerca de 40 autores que visam construir uma visão multidisciplinar, com contribuições de profissionais que atuam em diferentes ramos, como seguro de vida, previdência e seguros gerais.

 

Para Marcos Falcão, CEO do IRB (RE), a lei traz um aumento inicial de trabalho e de custos, mas todos estão correndo atrás de criar e otimizar processos internos para dar agilidade e fluidez às negociações, o que intensifica as relações. “A nova sistemática tende a melhorar a precificação e reduzir custos no médio prazo, ao evitar seleção adversa. Riscos mais bem precificados diminuem distorções e tendem a baratear o seguro”, afirmou.

 

Uma dica preciosa para os gestores de riscos veio da presidente da Fenaber e representante do Lloyd’s no Brasil, Rafaela Barreda: começar as renovações dos contratos com antecedência e com informações mais substanciadas. Ela também reforçou que, em grandes riscos, a automatização total é inviável. “Os casos exigem diálogo e negociação. Profissionais que souberem negociar com clareza e confiança serão os mais disputados”, disse.

 

Luiz Otávio Artilheiro, presidente da ABGR, avalia que o mercado já demonstra avanços desde que o texto era apenas um projeto. “Os caminhos começam a se abrir, tanto pelo legislador quanto pela Susep. Até o fim do ano, teremos muito trabalho, mas os riscos continuarão sendo colocados no mercado, ainda que haja dificuldade nos grandes riscos que precisam de resseguro”, disse.

 

Na visão do head de seguros da Norsk Hydro no Brasil, Christian Mendonça, a lei valoriza a customização e dá parâmetros sólidos para contratação. “Quem insistir em produtos padronizados vai perder espaço. Para grandes riscos, é essencial ter avaliação específica das operações”, disse. Segundo ele, a lei é positiva para os compradores de seguro porque traz regramento e parâmetros claros para contratar e transferir riscos, o que antes não existia. “As coisas foram se criando de maneira usual, mas sem um regramento mais sólido. Então, acho que a lei traz esse embasamento importante para os compradores de seguros.”

 

Mendonça cita as preocupações de seguradoras e resseguradores, que alegam que haverá mais trabalho. “Mas ter mais trabalho não necessariamente é ruim. Na verdade, vai tornar a percepção de risco cada vez mais completa ou customizada. A grande questão é: haverá investimento para que se tenha essa capacidade de entendimento diferenciado de riscos? A nossa expectativa é que sim”, disse em tom otimista.

 

O advogado Ernesto Tzirulnik, um dos principais articuladores da lei, recomendou não antecipar renovações para antes da vigência. “O novo regime é mais protetivo para o segurado. O mercado teve um ano para se adaptar; quem não estiver pronto arcará com prejuízo”, afirmou. Diante da corrida dos clientes em antecipar a renovação dos contratos antes do início da vigência da nova lei, temerosos de um aumento de preço e de recusa de riscos por parte dos resseguradores, Tzirulnik dá um conselho:

 

“Melhor contratar os novos programas sob a vigência integral da lei, porque você vai receber um regime de proteção muito grande e muito importante para o funcionamento do contrato de seguro. E certamente nenhuma re/seguradora vai deixar de vender em razão da nova lei.” O autor da lei acredita que, especialmente para os grandes riscos, os seguradores estarão muito bem preparados. “E, se não estiverem, isso não virá em detrimento do segurado. Ao contrário, será um prejuízo para o segurador. Então, acho que é importante não precipitar as renovações. Fazê-las no momento devido e, se possível, dentro do novo regime legal, que é mais protetivo para o segurado.”

 

Manuel Mattos, vice-presidente da Fenacor, destacou que o marco legal se soma a outras mudanças estruturais, como a entrada de cooperativas, associações de proteção veicular e a implementação do Sistema de Registro de Operações (SRO), bem como a SPOC, que prevê a participação dos corretores no Open Insurance. “A lei reformula o ecossistema e dá mais previsibilidade, com dados consistentes e reformas efetivas para clientes, ampliando a proteção securitária”, afirmou.

 

O evento contou com doze patrocinadores Diamond e Platinum: três seguradoras – Tokio Marine, Fator e Zurich – e nove corretores, sendo que a Marsh, a maior do mundo, não estava entre eles. O diretor da área Comercial Corporate da Tokio Marine, José Luis Pereira de Franco, uma das patrocinadoras, disse que há uma grande movimentação da seguradora para estar totalmente alinhada às exigências da lei em dezembro. “Sendo a Tokio Marine uma das principais seguradoras de grandes riscos do país, nossa dedicação e empenho para criar uma estrutura fluida e ágil para corretores e clientes é nossa prioridade”, afirmou.

 

A Zurich priorizou em seu estande a divulgação do programa de previsão de danos relacionados às mudanças climáticas, chamado Climate Spotlight Core. Essa plataforma digital analisa o impacto de 12 tipos de riscos climáticos em diferentes locais do mundo, utilizando dados científicos para projetar cenários de aquecimento global até 2100. O objetivo é ajudar empresas e governos a se prepararem para eventos climáticos extremos e tomarem decisões mais seguras. “Este é um tema de grande importância para o grupo Zurich, pois entendemos que o setor de seguros tem a oportunidade de compartilhar conhecimentos para construir modelos preditivos que possam ser usados para ajudar nossos clientes, empresas e o poder público a aumentar a resiliência climática”, comentou Lucía Sarraceno, diretora de marketing e clientes da Zurich.

 

No painel “Massificados: Os Seguros Coletivos e a Proteção dos Ativos das Organizações (Vida, Auto)”, Igor Di Beo, vice-presidente de Vida e Resseguros do Grupo HDI, lembrou que, para esse segmento, o marco legal não deve gerar grandes incertezas. “As regras já são claras e compatíveis com a dinâmica dos produtos massificados”, afirmou.

 

O executivo destacou, porém, o potencial de crescimento no seguro de vida. O mercado brasileiro representa menos de 1% do PIB, contra quase 5% nos Estados Unidos e 8% no Reino Unido. Pesquisa FenaPrevi/Datafolha (2024) mostra que 96% dos brasileiros já ouviram falar no produto, mas 82% não possuem apólice e 72% nunca contrataram. Entre as coberturas mais valorizadas estão indenização por invalidez, doenças graves e morte, enquanto benefícios como assistência funeral e check-up médico ganham apelo comercial.

 

Di Beo também ressaltou o papel do “capital global” em apólices coletivas, que define o valor máximo de indenização para todo o grupo segurado. Essa configuração, disse, permite equilíbrio entre custo e cobertura, simplifica a gestão para empresas e viabiliza ajustes periódicos conforme o perfil dos segurados.

 

O consenso entre os participantes é que a lei inaugura um ciclo de ajustes operacionais, aprendizado e investimento em capacitação. Como resumiu Rafaela Barreda: “Erraremos, melhoraremos e aprimoraremos com as mudanças”.

 

Fonte: Sonho Seguro