Nova lei de contrato de seguros não anula a premissa da boa fé

Embora a lei favoreça o segurado e a necessidade de adaptações pelas seguradoras, irá trazer mudanças positivas para o mercado, aponta debate durante seminário realizado pela ABGR

 

“O marco legal de seguros: lei n° 15.040/24 e a operacionalidade dos grandes riscos” abriu as discussões propostas pelo XVI Seminário de Gestão de Riscos e Seguros promovido pela Associação Brasileira de Gerência de Riscos (ABGR).

 

Felipe Nascimento, CEO da MAPFRE, definiu a nova lei como um marco no mercado segurador tratado de forma transparente e democrática, mas reiterou que isso não a isenta de discussões e polêmicas.

 

“Apoiamos a nova lei desde o princípio. Temos uma nova realidade que sistematiza e moderniza a relação contratual do seguro, trazendo mais transparência para que possamos reduzir, dentre outros pontos, a judicialização a partir do entendimento melhor entre os segurados e seguradoras do que é objeto do contrato. Na MAPFRE, quase todos os departamentos foram mobilizados para trazer um entendimento profundo das modificações trazidas pela nova lei”.

 

Dentre os pontos de mudanças que devem gerar impacto estão a cotação e a proposta para entender a partir de qual momento se dá aceitação tácita ou não; o dever ampliado de informações, ou seja, a responsabilidade maior dos seguradores sobre a tomada de informação do risco a ser segurado; a cláusula limitativa de direito; a cláusula de rateio e a documentação para regular o sinistro.

 

“Os prazos são muito mais exigentes. Naturalmente, teremos que prever quais os documentos exigíveis a cada ocorrência, sabendo que as ocorrências têm natureza aleatória e, para isso, a lei prevê dois momentos em que se pode pedir documentação extra”, destacou Nascimento.

 

O CEO da MAPFRE ainda apontou a importância do corretor de seguros diante de um cenário em que o segurador passa a ser muito exigido. “Contamos com os corretores como extensão dos clientes e essa interação terá que ser muito fluida”.

 

Marcos Falcão, presidente do IRB (Re), apontou como desafios a clareza da comunicação. “O contrato de seguros tem de ser claro e o corretor pode nos ajudar a traduzi-lo para o cliente e trabalhar conosco no feedback dos contratos”.

 

Ele também levantou a possibilidade de trazer um glossário para os contratos, o que levará a uma padronização dos contratos. “Isso pode facilitar a aplicação da lei e promover o crescimento do mercado de seguros”.

 

Falcão ainda lembrou que a nova lei visa proteger o segurado e deve contribuir para o avanço do mercado, que ainda possui baixa adesão na sociedade brasileira.

 

“A lei traz um foco no segurado que é de extrema importância para crescermos. No momento em que o segurado não se sente mais vítima e vê que vai ter o pagamento do sinistro bem regulado, de forma rápida e simples, tem tudo para o seguro ter uma atratividade maior”.

 

Riscos complexos

 

Christian Mendonça, moderador head de Riscos e Seguros da Norsk Hydro para a América do Sul e VP do Conselho da ABGR, trouxe à reflexão o fato de a lei ser bastante abrangente e regular a contratação de seguros nos mais diferentes níveis e a existência de um temor de que os grandes riscos tenham alguma dificuldade na colocação de seus clausulados particulares e para a manutenção das cláusulas particulares.

 

“Não é uma lei minuciosa e não vai intervir profundamente nas relações securitárias. Talvez seja a melhor lei de contrato de seguros contemporânea. Ela tomou partido, pois estabelece o que é regra para todo contrato de seguro”, comentou Ernesto Tzirulnik, presidente do Instituto Brasileiro de Direito do Seguro (IBDS), que durante o painel resgatou o cenário do mercado em que a lei começou a ser desenhada há cerca de 21 anos.

 

“Em grandes riscos, não existe paridade na negociação entre segurados e seguradores na formação do clausulado da apólice. Há a possibilidade de intervenções. A negociação paritária não existe no dia a dia das operações”, explicou.

 

Sobre a intervenção em clausulado, ele disse que a lei traz uma regra em que prevalecem as condições particulares.

 

Princípio da boa fé

 

“Todos nós queremos ter os tratamentos dos nossos riscos de forma individual. Como o mercado vai estar preparado para entender os riscos de forma diferente e tratá-los com suas especificidades?”, questionou Christian Mendonça.

 

Segundo o CEO da MAPFRE, a lei traz a mudança significativa e tem um tema da veracidade e precisão, que hoje segue como responsabilidade do segurado fornecer a informação que ele entenda relevante sobre o risco. Agora, é o segurador que tem que tomar a frente para levantar as informações para a subscrição dos riscos.

 

“Vamos entrar na especificidade do risco e ser mais meticulosos e precisos no entendimento do que deve ou não estará coberto. Vamos ter que ter muito mais precisão no entendimento do risco e isso pode levar a uma potencialização na questão das inspeções. Partimos sempre da premissa essencial que rege o contrato, que é a boa fé. Se o segurado for consciente de um fator que agrave os riscos, ele é obrigado a informar sob pena de estar negligenciando o contrato”, comentou Felipe Nascimento.

 

O presidente do IRB reiterou a observação de Nascimento e posicionou o princípio da boa fé como fundamental, principalmente nos grandes riscos. “A relação será simbiótica, de muita proximidade e confiança. A lei promove a necessidade de criarmos processos e entendimentos com clausulados claros e contratos bem entendidos entre as partes”, pontuou ao lembrar que o início será doloroso, com muito aprendizado, mas renderá bons frutos.

 

Durante dois dias, 12 e 13 de agosto, seguradores, risk managers de grandes empresas brasileiras e demais players discutem juntos como melhorar o relacionamento e as soluções de seguros durante o XVI Seminário de Gestão de Riscos e Seguros, realizado simultaneamente à Expo Riscos, promovido pela ABGR, no Centro de Eventos do WTC, em São Paulo.

 

Fonte: Portal Revista Cobertura