Com informações e análise de Igor Sabino, Diretor de Marketing Digital da Agência Seg News e Diretor de Publicidade da EXB Agency
A recente participação de KondZilla, o visionário por trás do maior canal de música da América Latina, no podcast Mano a Mano, apresentado por Mano Brown, lançou luz sobre uma discussão crucial para o Brasil: acesso, proteção e a persistente desigualdade social. O que se revelou, de forma surpreendente para muitos, foi o papel fundamental que o seguro desempenhou na trajetória de sucesso de um dos maiores empreendedores culturais da atualidade.
KondZilla compartilhou que a verdadeira estrategista financeira de sua família foi sua mãe, uma mulher da periferia que, desafiando estereótipos, possuía não um, mas três seguros de vida. Este planejamento financeiro antecipado, muitas vezes subestimado em ambientes de menor poder aquisitivo, foi a chave para transformar o destino de KondZilla e de seu irmão.
A indenização recebida após o falecimento da mãe proporcionou a eles mais do que um suporte financeiro; foi um tripé essencial para o crescimento: acesso à educação, ferramentas para o desenvolvimento pessoal e as condições mínimas para cultivar o imenso potencial criativo que já fervilhava nas vielas da quebrada. Este elo entre indenização, educação financeira e criatividade periférica foi o verdadeiro ponto de virada, demonstrando o poder transformador do seguro quando acessível.
Invisibilidade das histórias de proteção na periferia
O mais impressionante, como destaca Igor Sabino em sua análise para a Agência Seg News, é que histórias como a de KondZilla devem se repetir aos milhares em todo o país, mas permanecem, em grande parte, invisíveis para o próprio mercado de seguros. Por quê? A resposta, em parte, reside em um histórico de elitismo e exclusão que ainda impede o setor de se conectar verdadeiramente com a rica e resiliente cultura que emerge e prospera nas periferias brasileiras.
Mito do “Seguro Popular” e o foco no lucro imediato
Historicamente, quando o assunto é seguro popular, muitas seguradoras e corretores tendem a ignorar a oportunidade, justificando que o baixo ticket médio não compensaria o esforço de venda. Esta mentalidade, segundo Sabino, revela um foco excessivo no lucro imediato, em detrimento da construção de uma base sólida de proteção social e inclusão financeira para uma vasta parcela da população que anseia por segurança.
O mercado de seguros tem falhado em desenvolver programas de venda e campanhas de comunicação que realmente dialoguem com as realidades das periferias. Em vez de inovar com produtos e linguagens que façam sentido para esse público, o setor muitas vezes insiste em reforçar formatos tradicionais que, na prática, não atingem ou não ressoam com quem mais necessita de proteção e amparo.
Legado de exclusão: do passado ao presente
A exclusão de pessoas negras e periféricas do mercado de seguros não é um fenômeno recente, mas um eco de um passado doloroso. Igor Sabino lembra que, durante o período da escravidão, pessoas negras eram consideradas propriedades seguráveis. Em caso de falecimento, a indenização era paga ao proprietário, e não ao indivíduo, que não era visto como um segurável livre. Era parte do patrimônio dos senhores de escravos.
Após a abolição, em 1888, o mercado de seguros no Brasil manteve-se alinhado aos interesses de uma elite agrária e econômica que continuou protegida, enquanto a vasta população negra e pobre permaneceu desamparada. Diferente de outras nações, como os Estados Unidos (que tiveram tentativas de reparação como a política dos “40 acres e uma mula” para ex-escravizados), o Brasil não estabeleceu estruturas de compensação ou suporte para os libertos, aprofundando a desigualdade.
A favela em busca de mais proteção
Hoje, a maior parte dos produtos de seguros acessíveis à população periférica se resume a seguros de vida básicos, auxílio-funeral ou títulos de capitalização – muitas vezes com explicações confusas e pouca vantagem real. Há uma quase ausência de soluções acessíveis para:
Seguros Residenciais: Proteção para moradias simples, mas essenciais.
Seguros de Crédito: Fundamentais para pequenos empreendedores que buscam alavancar seus negócios.
Seguros Fiança: Que poderiam desburocratizar o aluguel de espaços comerciais ou residenciais.
Além disso, a proteção para bens de capital que fazem toda a diferença para quem está começando com pouco, como uma geladeira para um pequeno comércio ou uma impressora profissional, é quase inexistente. Para quem tem acesso a crédito facilitado ou grandes propriedades, esses investimentos são rotina. Para quem vem da favela, são sonhos distantes, que carecem de proteção.
A favela como um mercado potente
Assim como KondZilla transformou sua realidade e construiu um império a partir de suas raízes periféricas, o mercado de seguros precisa urgentemente transformar sua postura. É imperativo enxergar a favela não como um mero aglomerado de riscos, mas como um mercado legítimo, potente e repleto de histórias de luta, empreendedorismo e inovação que merecem e precisam de proteção.
O seguro de vida, e o seguro em suas diversas modalidades, pode e deve ser uma ferramenta de inclusão, dignidade e desenvolvimento para as famílias das periferias. No entanto, para que isso se concretize, o mercado precisa finalmente abandonar seu elitismo e começar a construir soluções que realmente façam sentido, que sejam ajustadas à realidade e à linguagem de quem vem da base. Somente assim, o setor cumprirá seu papel social e econômico de forma plena.
Fonte: Universo do Seguro