Sem espaço para especulação: como são definidas as indenizações em casos como o de Marília Mendonça

A tragédia que vitimou a cantora Marília Mendonça, em 5 de novembro de 2021, voltou ao debate público nas últimas semanas. O acidente aéreo, ocorrido em Minas Gerais, tirou a vida da artista e de mais quatro pessoas. As recentes entrevistas de familiares à imprensa reacenderam discussões sobre a divisão do seguro da aeronave e levantaram dúvidas sobre como, de fato, funcionam as indenizações em casos com múltiplas vítimas fatais. Para esclarecer a questão sob a ótica técnica e jurídica, o CQCS vem trazer a visão do mercado de seguros mostrando como o seguro age em casos como esse.

Parte da confusão que mobilizou a opinião pública foi motivada pela divulgação de informações na mídia sobre o valor do seguro e sua divisão. De acordo com o portal Metrópole, a apólice da aeronave estava no valor de aproximadamente US$ 1 milhão, depositado judicialmente. A proposta de divisão partiu da empresa de táxi aéreo e foi aprovada pelo Judiciário. Em entrevista ao programa Fantástico, Ruth Moreira, mãe da cantora, afirmou que não participou das tratativas e apenas foi informada da decisão. O advogado da família declarou que o único beneficiário da apólice é o filho de Marília.

Diante dessa repercussão, o CQCS esclarece os caminhos legais e técnicos que regem os processos de indenização em casos como este. Em acidentes como o ocorrido em 2021, o primeiro seguro a ser acionado é o RETA, sigla para Responsabilidade do Explorador ou Transportador Aéreo. Trata-se de uma cobertura obrigatória no Brasil, contratada por qualquer empresa que opere uma aeronave. Sua função é garantir o pagamento de uma indenização básica a cada passageiro ou tripulante envolvido no sinistro, independentemente de culpa. No caso do voo em que estava Marília Mendonça, o RETA foi acionado automaticamente, como exige a regulamentação da ANAC, e prevê o pagamento de cerca de R$ 108 mil por vítima, valor fixo e padronizado, sem distinção por profissão, vínculo ou renda.

Apesar de representar um respaldo inicial importante, o RETA tem cobertura limitada, quando as perdas envolvem impacto financeiro mais expressivo como a interrupção de renda ou a ausência de sustento a dependentes, entra em cena o LUC (Limite Único Combinado). Diferente do RETA, que é obrigatório, o LUC é facultativo: pode ser contratado pela empresa de táxi aéreo ou pelo proprietário da aeronave como uma apólice complementar de responsabilidade civil. Ele estabelece um teto global que será judicialmente dividido entre os prejudicados. “Paga-se primeiro o RETA, depois vem o processo judicial, e então o LUC complementa os valores definidos pelo juiz”, explica Sergio Ricardo, sócio-diretor da Gravitas AP Consultoria e Treinamento.

A decisão sobre quem recebe o quê não é da seguradora é do Judiciário. “O juiz pode fixar valores superiores ao que está na apólice. O que o seguro cobre é o que foi contratado. O excedente, se houver, é de responsabilidade da empresa proprietária da aeronave”, afirma Sergio. Gustavo Doria Filho, fundador do CQCS, reforça que “a responsabilidade civil da empresa de táxi aéreo não se limita ao valor do seguro nem ao valor do LUC”. O cálculo da indenização é técnico e leva em consideração a capacidade econômica que a vítima tinha de prover sustento. “A vida você não repõe. Você repõe a capacidade de prover”, resume Gustavo.

Segundo Gustavo, o critério para essa divisão não é emocional. “Não é que uma pessoa vale mais do que a outra, mas cada uma tem uma jornada econômica que caracteriza o que deixou de gerar por faturamento por conta daquele acidente.” E completa: “Temos cinco pessoas com histórias de vida diferentes, com potenciais financeiros distintos, e um só LUC para dividir entre elas”.

A atuação da seguradora, portanto, se limita ao cumprimento da apólice contratada. “Quando chega o momento da indenização, a seguradora já chegou junto, já fez os acordos, e agora vai olhar para a apólice, porque ela tem um limite contratado”, esclarece Sergio. O valor geralmente é depositado em juízo, e os acordos homologados judicialmente são oferecidos às partes. “O que ocorre normalmente é que esses acordos são firmados com intenção de não permitir que atrase o processo de indenização”, pontua Gustavo.

Para o especialista Sergio Ricardo, o que norteia esse processo é a legalidade. “Seguindo um rito de regulação técnica absolutamente formal no mercado de seguros, ainda mais por se tratar de um seguro de responsabilidade civil, a indenização é feita respeitando os limites da apólice, a quem de direito, após ação judicial transitada e julgada.”

Ele encerra com um princípio que sintetiza o posicionamento do setor: “Em seguro não tem espaço para especulação. Seguro é uma coisa técnica e leva em consideração o que está escrito nas condições gerais e a boa-fé”.

 

Fonte: CQCS