Indenização da tragédia aérea gera disputa e levanta debate sobre proteção securitária

Filha de piloto denuncia partilha desigual da indenização. Advogado e consultor analisam o caso e apontam falhas estruturais na proteção das famílias

A tragédia aérea que vitimou Marília Mendonça e outras quatro pessoas em novembro de 2021 continua gerando desdobramentos delicados fora das manchetes musicais. Desta vez, o centro da discussão está na partilha do seguro pago às famílias das vítimas. Segundo informações obtidas pelo portal IG Gente, Vitória Drumond Medeiros, filha do piloto Geraldo Medeiros, afirmou que metade do valor total da indenização foi direcionada à mãe da cantora, enquanto os demais herdeiros dividiram a outra metade.

O episódio reacendeu questionamentos sobre como funcionam os seguros em acidentes com múltiplas vítimas e quais são os limites legais e éticos para acordos entre beneficiários. Para aprofundar o debate, o CQCS ouviu dois especialistas: Landulfo Ferreira Júnior, advogado especializado em Direito do Seguro, sócio de Abdalla e Landulfo Advogados, professor da ENS e da PUC Minas; e Rogério Araújo, consultor em planejamento e proteção financeira na TGL Consultoria.

O que diz a lei?

Segundo o advogado Landulfo Ferreira Júnior, é fundamental distinguir os tipos de seguro envolvidos para compreender o caso. “Existem seguros obrigatórios, como o RETA (Responsabilidade Civil do Explorador ou Transportador Aéreo), e seguros facultativos, contratados adicionalmente pelo proprietário da aeronave.”

No caso do RETA, explica ele, a indenização é paga por passageiro e obedece a limites previamente definidos conforme a Resolução CNSP nº 442/2022. Já nos seguros facultativos, os valores são estipulados livremente, levando em conta fatores como o porte da aeronave e a frequência de uso.

Sobre a possibilidade de uma família receber parcela maior do seguro, Landulfo destaca: “Não nos parece factível que uma das famílias obrigue as demais a renunciar parte da indenização sem uma renúncia expressa e formal. O segurador exigiria documentação clara para efetuar o pagamento de forma diversa da estabelecida legalmente.”

Ele também ressalta que, em casos como esse, a indenização deve observar a perda financeira específica de cada família, e não critérios subjetivos. “O valor do LMI será destinado aos sucessores de forma proporcional à perda experimentada”, afirmou.

A mediação do corretor e os riscos da má comunicação

Para Rogério Araújo, da TGL Consultoria, o caso evidencia uma fragilidade estrutural no mercado: a falta de clareza na comunicação entre seguradoras, corretores e famílias. “O momento do sinistro é quando a promessa feita na venda do seguro precisa ser cumprida com integridade. O papel do corretor é acompanhar esse processo do início ao fim, oferecendo orientação técnica e apoio emocional.”

O consultor também estranha o teor do suposto acordo revelado. “Me surpreende que tenha havido algum tipo de acerto para que a indenização de vítimas fosse redirecionada. Isso contraria a lógica da proteção financeira individual prevista nos contratos.”

Na avaliação dele, o caso reforça a importância de preparar o mercado para situações complexas como essa. “É fundamental educar o segurado para que ele defina corretamente seus beneficiários e compreenda o impacto de suas escolhas.”

Como prevenir novos conflitos?

Ambos os especialistas são unânimes em apontar a educação securitária como a chave para evitar disputas futuras. “Se o contrato estiver bem estabelecido e os beneficiários claramente definidos, o risco de conflito reduz drasticamente”, diz Araújo. “É preciso orientar com responsabilidade, vender seguro é também educar para o imprevisto.”

Landulfo reforça que o seguro de vida não é herança, mas um contrato independente: “Se houver beneficiário nomeado na apólice, ele receberá o valor diretamente. Tudo depende das cláusulas do contrato, e não da vontade dos herdeiros ou de acordos informais.”

Justiça contratual e responsabilidade no setor

Casos como esse reforçam a importância de clareza contratual, transparência no processo de sinistro e responsabilidade por parte de todos os envolvidos seguradoras, corretores e beneficiários. Quando há múltiplas vítimas, é essencial que os princípios técnicos e legais que regem o setor de seguros sejam seguidos com rigor, garantindo que a reparação financeira ocorra de forma justa, proporcional e respeitosa para todas as famílias envolvidas.

Fonte: CQCS