O agronegócio brasileiro é líder na produção e exportação de diversos produtos, mas, quando o assunto é seguro rural, o país vai na contramão do mundo: entre as grandes potências agrícolas, o Brasil foi a única em que área de cultivo coberta por seguro caiu nos últimos anos. Mas, para Joaquim Neto, presidente da Comissão de Seguro Rural da Federação Nacional de Seguros Gerais (Fenseg), com os prejuízos, principalmente financeiros, que marcaram o setor na temporada 2023/24, esse quadro pode começar a mudar na próxima safra.

“O cenário atual pode ajudar a mudar a mentalidade tanto do produtor rural quanto do governo federal sobre o seguro”, afirma. “Se os agricultores que não contratam seguro têm perdas com o clima e não conseguem pagar as dívidas, sua atuação acaba diminuindo na safra seguinte”.

Globo Rural – Quem são produtores que mais contratam seguro rural no Brasil atualmente?

Joaquim Neto – Os pequenos e médios agricultores que cultivam grãos na região Sul. Mas esses produtores também costumam ser os mais afetados por eventos climáticos, como seca ou excesso de chuva. O problema de o número de contratações ser mais alto justamente entre os produtores que mais recebem indenizações é que a sinistralidade, que é a relação entre as indenizações pagas e o valor que a seguradora arrecada, fica muito alta. Isso deixa o sistema de seguro agrícola mais dependente do auxílio do governo federal, que, por meio do Programa de Seguro Rural (PSR), ajuda o produtor a pagar uma parte no valor das apólices.

GR – E por que a contratação de seguro não cresce entre os grandes produtores, que usam mais tecnologia e conseguem prever melhor o risco climático?

Neto – A maioria deles não tem acesso ao programa de subvenção ao seguro rural. No PSR, existe um teto, de R$ 60 mil, que é quanto cada produtor pode tomar por ano. É um valor bastante relevante para os agricultores pequenos e médios – ele corresponde a cerca de 40% do custo da aquisição do seguro. Para os agricultores maiores, esses R$ 60 mil só representam de 3% a 4% do custo da apólice, o que significa que o apoio governamental acaba sendo insuficiente para esses produtores. Para que os produtores de porte maior começassem a contratar mais seguro, seria necessário que eles aumentassem o investimento ou que o governo entrasse com mais recursos para subvenção. Se houvesse uma mudança nas regras do PSR, talvez os estados do Centro-Oeste contratassem mais.

GR – Você acredita ser viável que haja uma mudança grande na estrutura do Plano Safra para que ele favoreça mais o programa de seguro rural?

Neto – Sim, acreditamos que sim. O brasileiro é resiliente, o agricultor é resiliente, a seguradora que trabalha no seguro agrícola é resiliente. No ano passado, a cifra que o governo federal destinou ao Proagro, que garante que as instituições financeiras deem apoio a pequenos e médios agricultores, ultrapassou R$ 10 bilhões. Já no PSR, os recursos foram de menos de R$ 1 bilhão. Se o governo conseguir, de fato, fazer uma alteração dentro dos dois programas, eu imagino que o mercado de seguro possa crescer bastante.

GR – Os extremos climáticos, que afetaram o setor nos últimos anos e geraram a onda recente de pedidos de recuperação judicial de produtores, podem levar o setor a mudar seu pensamento sobre o seguro?

Neto – Sem dúvida. O recurso de equalização de dívidas que o governo tem buscado para atender os agricultores que tiveram perdas é muito maior do que o que se daria a esses agricultores para que contratassem seguro. No ano passado, a arrecadação em prêmios de seguro agrícola foi de R$ 5,7 bilhões e a contribuição da subvenção federal foi de R$ 933 milhões. Para atender todo o universo de agricultores que contrataram o seguro rural nesta safra, a subvenção precisaria ser de R$ 1,7 bilhão. E se fosse possível atender também os agricultores que não contrataram seguro, que são esses que estão pedindo recuperação judicial, o gasto do governo seria muito menor. Então, o cenário atual pode servir para mudar a mentalidade tanto do produtor rural quanto do governo federal sobre o seguro.

GR – De que maneira os estados e municípios podem participar do apoio ao seguro rural?

Neto – Estados como São Paulo e Paraná têm programas que funcionam da mesma forma que o federal. O Ministério da Agricultura atende todos os estados, mas ele não tem capacidade de atender todas as demandas de cada um. Se um estado tem produção agrícola relevante, ele poderia contribuir ao ajudar os agricultores com parte do valor da contratação do seguro. Seria um percentual menor do que o federal, mas que faria muito sentido e teria muita importância tanto para o agricultor que já está contratando quanto para aquele que não contratou. As subvenções podem se somar, e o agricultor ficaria com uma parcela menor da aquisição do seguro. Agora que Mato Grosso está com esse problema das recuperações judiciais, se ele fizer um programa de subvenção, já que o federal não consegue atender à necessidade [dos produtores do estado] plenamente, ficaria mais interessante para o agricultor contratar o seguro. E isso poderia ser feito com uma modalidade que permitisse atender o grande produtor. Hoje, o agricultor de Mato Grosso ainda acha que o seguro é caro, que não atende as necessidades dele.


GR – Nos últimos anos, o índice de sinistralidade chegou 90%, em média. Qual seria o percentual ideal?

Neto – Para que as seguradoras possam, além de pagar as indenizações, cobrir também suas despesas de comercialização e administrativas, os impostos e tenham ainda um percentual de lucro, essa correlação entre indenização e arrecadação precisa, em um seguro normal, ficar 50% e 60%. Se a sinistralidade ultrapassa esses 60%, chegando a 80% e 90%, como é o caso na série histórica do seguro rural no Brasil desde 2003, o que ocorre é um desestímulo às seguradoras. Elas não querem estar em um negócio que é deficitário.

GR – Quais são, então, as alternativas das seguradoras no momento?

Neto – Elas têm trabalhado para diversificar seus seus portfólios de seguro, as culturas para as quais oferecem cobertura. Hoje em dia, os seguros agrícolas mais comuns são para grãos – soja, milho verão e inverno e trigo. As seguradoras estão buscando atuar em cultura como café, cana, frutas e hortaliças, nas quais os riscos são mais definidos. Nelas, os problemas são principalmente granizo e geada, [fenômenos] que não têm uma abrangência tão grande quanto a seca. As seguradoras também buscam oferecer produtos para atender outros clientes, outros agricultores, em outras regiões, principalmente na região Sudeste. Há também o projeto de um fundo que apoie as seguradoras.

GR – O projeto do fundo do seguro rural tem caminhado?

Neto – A ideia do fundo surgiu junto com a agenda de reformas financeiras dentro do Ministério da Fazenda. Criou-se um grupo multidisciplinar que identificou a necessidade de se estruturar um fundo de seguro rural. Ele poderá assumir perdas em determinados anos muito superiores à relação entre indenização e arrecadação, a sinistralidade. A ideia é que haja uma contribuição federal e um suporte das próprias seguradoras para gerar recursos para esse fundo. Ele ainda está no modelo inicial de conversações, mas viria para alterar o atual fundo de estabilidade do seguro rural, que, por ter poucos recursos, até hoje as seguradoras não o utilizam muito. As seguradoras já contribuíram com esse fundo de estabilidade do seguro rural por vários anos, só que direcionou-se o dinheiro para o Tesouro. São R$ 4 bilhões, uma cifra parecida com o dinheiro que a gente está solicitando. Mas temos que lembrar que o dinheiro do fundo não é para atender o agricultor, e sim para atender as seguradoras que tiveram perdas, para que elas possam continuar na atividade. O recurso do fundo é para ela não quebrar nesse momento em que o índice de sinistralidade está muito elevado.

GR – Qual o alcance do trabalho da indústria de seguros no agronegócio nos últimos anos?

Neto – Não tem como não entender o apoio que o setor de seguros tem dado para o agronegócio. De 2003 a 2023, o pagamento de indenizações somou R$ 27 bilhões. As seguradoras indenizaram, e os agricultores que receberam essas indenizações puderam assumir seus compromissos financeiros, prosseguir na atividade, não ter perdas e continuar a trabalhar na safra seguinte com a mesma vitalidade com que trabalharam nas anteriores. Se os agricultores que não contratam seguro têm perdas com eventos climáticos e não conseguem pagar as dívidas, a atuação deles acaba diminuindo na safra seguinte.

GR – Qual a sua expectativa para o seguro rural na próxima safra?

Neto – Eu imagino que vá ocorrer uma sensibilização do governo para buscar mais recursos para o PSR. Acredito que os agricultores do Centro-Oeste que tiveram perdas vão começar a contratar mais seguro. Nós vamos estar em um período de [ação do fenômeno] La Niña, quando as perdas são maiores também nos estados que mais contratam seguro (Sul), então é possível que a contratação aumente. Mas se vier uma perda decorrente do La Niña, a sinistralidade e as indenizações também vão aumentar no ano que vem. Sobre o preço das apólices, existe a possibilidade de queda ainda neste ano. O histórico climático é pior durante os anos de La Niña. Em anos de influência do El Niño, como 2023/24, a condição de produção melhora um pouco, então é possível que os custos de aquisição de seguro diminuam um pouco ainda neste ano, já na comercialização da safra 2024/25.

Fonte: Globo Rural