Segundo um levantamento realizado pelo escritório de advocacia Chalfin, Goldberg & Vainboim, diversos tribunais do país têm decidido, cada vez mais, pela penhora parcial ou total de indenizações provenientes de seguros de vida para a quitação de dívidas reconhecidas pela Justiça. De acordo com a pesquisa feita, existe uma tendência de mudança do entendimento desfavorável aos segurados no Superior Tribunal de Justiça (STJ), Tribunal Superior do Trabalho (TST), Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) e do Rio de Janeiro (TJRJ). Estas informações são do Valor Econômico.

Entre 2011 e 2023, 36 decisões foram analisadas. Do total, 22 são a favor da penhora parcial ou total de valores e apenas 14 são a favor da impenhorabilidade. A principal modalidade atingida é a dos seguros resgatáveis, que permitem, ao segurado, resgatar parte ou todo capital durante a vida, ainda que não ocorra nenhum evento coberto pelo seguro, como invalidez ou morte.

Essa é uma discussão importante porque, ao menos desde 2018, há o registro do crescimento anual na arrecadação referente a planos de risco para a cobertura de pessoas (englobam seguro de acidente, vida, funeral e outros), segundo a Confederação Nacional das Empresas de Seguros Gerais, Previdência Privada e Vida, Saúde Suplementar e Capitalização (CNseg). Em comparação, em 2018, foram arrecadados R$ 41,5 bilhões e, ano passado, o montante subiu para R$ 60,4 bilhões.

Thiago Junqueira, um dos advogados do escritório que liderou o levantamento realizado, explica que houve o aumento do número de decisões divergentes, o que reduz a segurança jurídica no mercado. “Isso obviamente influencia na hora de se precificar o seguro porque, geralmente, o juiz oficia a seguradora e ela cumpre a determinação judicial”, destaca ele.

Junqueira diz que, principalmente na Justiça do Trabalho, “há relativização total da impenhorabilidade”. Na Justiça comum, segundo o levantamento jurisprudencial, a maior parte das decisões é pela impenhorabilidade e, quando a penhora acontece, o mais comum é ser parcial.

No caso de penhora parcial, muitos magistrados têm entendimento que só pode ser penhorado caso o valor exceda 40 salários mínimos, o que totaliza R$ 52,8 mil. É aplicado, nesses casos, o artigo 833, inciso X, do Código de Processo Civil (CPC). O dispositivo estabelece que “é impenhorável a quantia depositada em caderneta de poupança, até o limite de 40 salários mínimos”.

Para Junqueira, “em termos legais, não há espaço para dúvida: o seguro é impenhorável”. Assim, ele argumenta com base no artigo 794 do Código Civil (CC) que diz: “No seguro de vida ou de acidentes pessoais para o caso de morte, o capital estipulado não está sujeito às dívidas do segurado, nem se considera herança para todos os efeitos de direito”.

Ainda de acordo com o advogado, outro ponto de destaque no argumento a favor da impenhorabilidade do seguro de vida é o caráter alimentar da verba: “Esse tipo de seguro não visa mera capitalização do dinheiro, mas a subsistência do beneficiário dependente”.

Bárbara Bassani, sócia na área de seguros e resseguros do TozziniFreire Advogados, acredita que a relativização pelo Judiciário da impenhorabilidade do seguro tem ocorrido em razão de qualquer tipo de dívida, como compra, verbas e trabalhistas e outras categorias. “Mas, geralmente, esse tipo de penhora só acontece quando o devedor não tem mais nenhum outro bem para quitar o devido, além do valor do seguro”, explica. Ela afirma ainda que, se o penhor é o titular da apólice, mas não o beneficiário do seguro, esse valor jamais será incorporado por ele e, na prática, não se sujeitará a penhora.

“Agora, se o penhorado é o segurado e o valor já está na conta bancária dele por causa de uma invalidez, diversos juízes entendem que pode ser feita a penhora do montante que for superior a 40 salários mínimos”, explica. “Preservando o que seria necessário à subsistência”, conclui.

Apesar de Bárbara defender que o seguro é impenhorável, com base no código civil, ela reconhece que essa medida pode ser mais eficiente do que ordem judicial para restrição de passaporte e Carteira Nacional de Habilitação (CNH) do devedor. “A restrição de passaporte e CNH pressiona o pagamento, mas não resolve o problema do credor, que quer colocar a mão no dinheiro.”, garante a advogada.

Raphael Donato, sócio do TAGD Advogados e especialista em direito securitário, explica que deverá prevalecer a tese da penhora parcial. Para ele, como os últimos precedentes do STJ foram todos no sentido de autorizar a penhora a partir de 40 salários mínimos, à medida que as decisões dos tribunais de justiça, hoje divergentes, subirem para a Corte superior, deverá prevalecer o seu entendimento.

A 3ª Turma do STJ, por unanimidade, decidiu, recentemente, que o “artigo 833, inciso IV, do Código de Processo Civil de 2015, põe a salvo da constrição judicial as quantias recebidas por mera liberalidade de terceiros [seguro], desde que destinadas ao sustento mínimo do devedor e de sua família, mas a impenhorabilidade desses valores está limitada ao ao montante de 40 salários mínimos” (REsp 1919998/PR).

No entanto, Donato faz questão de lembrar que, até o momento, não há decisão do STJ sobre o tema em recurso repetitivo, o que orientaria as instâncias inferiores do Judiciário. De acordo com ele, conforme for chegando à Corte um volume significativo de processos, um repetitivo poderá ser julgado”.

Para o advogado, a discussão ainda pode chegar ao Supremo Tribunal Federal (STF). “Provavelmente quando relacionarem a penhora do seguro à violação dos direitos e garantias fundamentais do artigo 5º da Constituição, o STF poderá entender ser necessário apreciar o assunto”, explica ele. “Também não me surpreenderia se o Supremo analisar a questão com base na tese do mínimo existencial [garantia das condições adequadas de existência digna]”, finaliza ele.

 

Fonte: CQCS