Seguro de desemprego oferecido para aposentados e funcionários públicos, apólice contra roubo de armário embutido e geladeira que sai mais barata se comprada junto com uma garantia estendida – seguro que cobre por mais um período a garantia original de fábrica depois que essa termina. Essas são algumas das “pegadinhas” em que o consumidor pode cair quando vai a uma loja de varejo comprar um eletrodoméstico ou uma roupa e, muitas vezes sem perceber, adquire também um seguro.

Diante do crescente número de reclamações de consumidores, o governo anunciou no fim do ano passado regras para a comercialização de seguros no varejo, que entraram em vigor no mês passado. Uma das principais mudanças trazidas pelas novas regras é o direito de o consumidor desistir da compra do seguro no prazo de sete dias e ter o seu dinheiro de volta.

Para tentar impedir que um excesso de criatividade das seguradoras acabe criando coberturas de utilidade duvidosa – como algumas das citadas no começo desta reportagem -, o governo restringiu os tipos de produtos de seguro que podem ser vendidos por meio de redes varejistas – antes não havia uma limitação. O varejo poderá oferecer seguro de garantia estendida, seguro de viagem, prestamista (garantia para o pagamento das parcelas em caso de produto financiado), seguro de desemprego ou perda de renda, além de seguros de baixo valor de pessoas (vida, acidentes pessoais etc.), danos (seguro residencial) e previdência.

Para evitar problemas, o consumidor deve ficar atento ao tipo de proteção de seguro que está comprando, quais são as coberturas e exclusões, guardar notas fiscais e documentos e tirar todas as suas dúvidas antes de adquirir a apólice. “Ao comprar o seguro, o consumidor tem que ter consciência do que está comprando, para o que serve, se ele precisa desse tipo de cobertura, qual o valor, por que quer comprar”, diz Solange Beatriz Palheiro Mendes, diretora-executiva da Confederação Nacional das Seguradoras (CNSeg).

Segundo dados do Procon de São Paulo, no ano passado foram registradas 5.543 reclamações no Estado envolvendo apólices de seguros, sendo a maioria relativa ao não cumprimento, alteração ou dificuldade de cancelamento do contrato. A segunda maior ocorrência é de não pagamento de indenização, seguida por cobranças indevidas e venda enganosa.

Selma do Amaral, diretora de atendimento do Procon-SP, conta que o seguro de garantia estendida é o líder de reclamação de consumidores. Segundo ela, o maior número de ocorrências era relativo ao não reconhecimento da compra do seguro, o que acontece em casos de vendas casadas, em que o preço do seguro é “embutido” no valor do produto, o que é proibido. Hoje, afirma, ainda existem reclamações do tipo, mas diminuiu bastante, e o maior número de casos agora é relativo a problemas na utilização da garantia, como a demora no pagamento da indenização, demora de conserto na assistência técnica e dificuldade na troca do produto. A CNSeg vai lançar dentro de aproximadamente 30 dias um site de orientação ao consumidor sobre o produto (www.osegurogarantiaestendida.org.br).

Um passeio rápido pelo site “Reclame Aqui” mostra um número também grande de reclamações de cobranças indevidas de seguros que as pessoas dizem não ter contratado. Apólice contra roubo de cartão de crédito, cobertura de roubo ou quebra de celular cobrada na fatura de planos pós-pagos e seguros diversos faturados em cartões de lojas são alguns dos casos encontrados.

A empregada doméstica Josenilda Gonçalves da Silva faz parte dessa estatística. No início do ano ela fez um cartão de crédito da Marisa para ter descontos e parcelar as compras feitas nas lojas da rede. Segundo ela, não lhe foi oferecido nenhum seguro no momento da contratação do cartão ou das compras. Desde a primeira fatura do cartão da loja, porém, vem sendo cobrado um seguro residencial no valor de R$ 13,99. Ela nunca recebeu contrato ou apólice e, por isso, nem sabe dizer a que cobertura teria direito. “A única coisa que assinei foi o contrato do cartão”, diz.

Com receio de ficar inadimplente – e ter o seu nome negativado – e sem tempo de ir a uma loja da rede para reclamar, Josenilda pagou o valor por quatro meses junto com o parcelamento de sua compra. No mês passado, com os gastos quitados, foi cobrado apenas o valor do seguro, o que a levou a reclamar. Josenilda foi até uma loja e pediu que a cobrança fosse interrompida. Ela está esperando a fatura deste mês para ver se de fato virá sem a cobrança do seguro. “Se eles cobrarem o seguro, aí vou no Procon”, afirma.

Pelo Código de Defesa do Consumidor, casos de cobrança indevida devem ser ressarcidos integralmente e, em alguns casos, até em dobro. Josenilda, porém, disse que não quer ter “dor de cabeça” e vai apenas cancelar o cartão, deixando de fazer novas compras. “Já tenho um cartão de crédito e só fiz esse para ter descontos”, conta.

Procurada, a Marisa informou que “cancela a adesão e providencia o estorno das postagens na conta do ano vigente”. A companhia disse ainda que “está se adequando às normas da Superintendência de Seguros Privados (Susep) quanto aos procedimentos de venda de produtos e serviços financeiros”.

Para coibir a venda abusiva, a nova legislação mudou o papel da rede varejista na comercialização de seguros. Pela regra anterior, a loja era tratada como um representante do consumidor, assim como um corretor de seguros tradicional, que é um profissional especializado que representa o cliente perante a seguradora e deve defender os interesses do consumidor. No entanto, a rede de varejo ganha na venda de uma apólice um percentual do valor cobrado pelo seguro e, dessa forma, essa relação se mostrava, na prática, conflituosa.

Pela nova regra, a loja é uma representante da seguradora e as duas têm responsabilidade sobre a venda da apólice. Assim, ambas respondem solidariamente em casos de irregularidades. Como representante da seguradora, a rede varejista passa a ser regulada pela Susep no que compete à venda de seguros, explica Regina Simões, coordenadora-geral de produtos da Susep, órgão regulador e fiscalizador do mercado de seguros. As penalidades para quem infringir as regras poderão chegar a até R$ 500 mil por infração, dependendo da gravidade. A venda casada, por exemplo, é um caso de alta gravidade.

Ainda nesta linha, o varejo não pode mais vender seguros a partir de contratos coletivos. Antes, a varejista contratava uma apólice coletiva de vida, por exemplo, e os clientes entravam por adesão nesse contrato “guarda-chuva”. Dessa forma, o consumidor só tinha vínculo com a loja, e não com a seguradora. As novas regras determinam que as empresas varejistas só podem oferecer apólices individuais. Assim, o consumidor passa a ter uma relação direta também com a seguradora, que é quem efetivamente dá a proteção, diz Solange, da CNSeg.

Segundo Regina, da Susep, essas mudanças trazem mais segurança para o consumidor. “Com o varejista representando a seguradora e o consumidor passando a ter uma relação direta com os dois, quando tiver que reclamar, vincula tanto a loja quanto a seguradora”, diz a coordenadora.

Quando o consumidor tiver algum problema com o seguro, desde a forma como ele foi ofertado até a utilização da cobertura, o consumidor deve procurar primeiro a rede varejista e a seguradora por meio dos canais de atendimento disponíveis, que podem ser presenciais ou por meio do telefone e internet, como serviço de atendimento ao cliente (SAC) ou ouvidoria. Se não conseguir resolver o problema diretamente com a empresa deve recorrer aos Procons de seus Estados e ao judiciário, segundo Selma, do Procon-SP.

Ela também indica acionar órgãos reguladores, que recebem reclamações e acionam as empresas sob sua fiscalização, caso do Banco Central com ocorrências relacionadas a bancos, Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) com planos de saúde, Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) para companhias elétricas, Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) para operadoras de telefonia, entre outras. Muitas delas dão prazos para que as empresas resolvam o problema, sob pena de multa.

Nas páginas na internet dessas agências é fácil encontrar o espaço para reclamações, que podem ser feitas após um rápido cadastro e o relato do problema. Para isso, é importante guardar os protocolos de atendimento gerados na comunicação com a empresa reclamada. Também pelo site é possível acompanhar o andamento do processo.

Fonte: Valor Econômico