Os números provam que a violência no estado vem aumentando e pesando mais no bolso dos cidadãos, mesmo daqueles que não foram vítimas de crimes. Vice-presidente da Federação Nacional de Seguros Gerais (FenSeg), Luiz Pomarole destacou que o Rio tem hoje as apólices mais caras do país. Segundo ele, a explosão na quantidade de roubos de automóveis em 2016 — 41.704 casos, o número mais alto em 25 anos — deverá provocar um aumento de até 20% no valor dos novos contratos. A estatística referente a veículos faz parte de um balanço divulgado quarta-feira pelo Instituto de Segurança Pública (ISP), que também apontou uma alta nas ocorrências de homicídios e vários tipos de assaltos.

Segundo Pomarole, os preços dos seguros de automóveis no Rio poderão subir porque os roubos e furtos se espalharam:

— Niterói, que tinha índices estáveis, hoje apresenta uma quantidade de roubos acima da média, numa situação semelhante à da Baixada Fluminense. Barra, Ipanema, Copacabana e Leblon seguiram a mesma tendência.

Ainda de acordo com o vice-presidente da FenSeg, o perfil do roubo mudou:

— Antes, os principais alvos dos ladrões de veículos eram os modelos populares, de até mil cilindradas. Agora, percebemos um significativo aumento de roubos de picapes e carros importados.

Na opinião de Pomarole, o Rio, assim como outros estados, tem sido negligente com uma questão diretamente relacionada aos roubos de carros: a demora para regulamentar, de forma plena, a lei federal de descarte de resíduos sólidos, que exige o registro de cada peça automotiva vendida em ferros-velhos.

— O Detran precisa ter, em seu banco de dados, os registros de peças para desmanche e revenda. Sem isso, não há como controlar esse mercado — alertou o vice-presidente da FenSeg.

Estatísticas de outros tipos de crime contra o patrimônio também explodiram no estado. Até mesmo a Zona Sul carioca, que não costumava acompanhar o aumento de índices de violência de outras regiões, sofreu um duro revés em 2016: ali, os roubos totais (de veículos, a pedestres e em ônibus, entre outros) subiram 37,67% (de 6.041 para 4.388) em relação a 2015, superando o aumento médio em todo o município, de 26,38%.

Ipanema teve uma das piores marcas da cidade nas estatísticas do ISP: os casos de roubos a transeuntes no bairro subiram 75%, 3,4 vezes mais do que os 22,03% de aumento médio na capital.

— Não há solução a curto prazo. O cenário econômico é muito ruim, as atuais autoridades de segurança estão continuando o projeto anterior, mas sem os recursos que a área recebia. Os policiais não vêm recebendo salários. Aumentos significativos na quantidade de crimes contra o patrimônio estão sempre relacionados a períodos de crise. Vale lembrar que o Rio continua adotando uma política de segurança que foi implementada em 2008. As metas de premiação das polícias, as UPPs, nada disso foi reavaliado — criticou o sociólogo Ignacio Cano, coordenador do Laboratório de Análises da Violência da Uerj.

Para o diretor do Instituto de Estudos Estratégicos da UFF, Eurico de Lima Figueiredo, o cenário é agravado pelo fato de o estado chegar ao terceiro ano consecutivo de recessão:

— Quando foi lançada a política de pacificação de comunidades, estávamos num período virtuoso, com 7,5% de crescimento econômico. As UPPs chegaram para tratamos os sintomas, não as causas da criminalidade. Hoje, deveríamos estar colhendo os frutos de investimentos em inclusão social.

“BANDIDOS ASSALTAM PORQUE FICOU FÁCIL”

O diretor regional da Associação Brasileira de Profissionais de Segurança, Vinicius Cavalcante, é outro que vê relação entre a crise e o aumento dos roubos no Rio:

— Bandidos assaltam mais porque ficou fácil, o policiamento ostensivo sumiu, devido à falta de recursos.

Ao comentar a escalada da violência, o governador Luiz Fernando Pezão disse ontem que é preciso reforçar o policiamento. No entanto, afirmou não ter recursos para contratar os PMs que passaram no último concurso:

— Perdemos, entre mortos e aposentados, quase dois mil PMs por ano. Infelizmente, não estou podendo contratar. Temos que fortalecer cada vez mais o policiamento e, principalmente, contar com a ajuda do governo federal. Estive com o ministro da Justiça (Alexandre de Moraes), e ele está empenhado em fechar nossas fronteiras.

Questionado sobre as estatísticas do ISP, o secretário estadual de Segurança, Roberto Sá, divulgou uma nota na qual defendeu uma mudança na legislação para manter presos os criminosos com penas elevadas. Além disso, sugeriu dobrar as sentenças de quem for pego portando arma de fogo e tornar o tráfico de drogas crime hediondo. Ele disse ainda que “é o momento de a sociedade e de outras instituições, além das polícias, se unirem em busca de melhor prestação de serviço”.

Leia, a seguir, depoimentos de quem entrou para as estatísticas:

“Entrei para as estatísticas da criminalidade do Rio no dia 30 de dezembro, quando me preparava para curtir o réveillon na Região dos Lagos. Fui assaltado quando estava na Avenida Melo Matos, na Tijuca, por volta das 21h30m. Eu e dois colegas estávamos aguardando uma amiga descer de um prédio quando três homens armados nos abordaram. Um deles bateu com uma pistola no vidro do carro em que estávamos. Os outros dois abriram as portas traseiras e nos mandaram descer, apontando revólveres para nossas cabeças. Eles nos xingavam aos gritos.

O trio tinha a cobertura de um quarto bandido, que estava em outro carro. Os assaltantes nos revistaram e começaram a roubar tudo. Eu, por exemplo, perdi até a camisa. Um amigo ficou descalço. Nossa viagem acabou ali. A alegria se transformou em tristeza. Passamos uma madrugada inteira dentro de uma delegacia.

Além de terem roubado o carro, os ladrões nos deram um prejuízo enorme. Levaram de tudo: celulares, malas cheias de roupas e até dez quilos de carne para churrasco e várias caixas de cerveja. Foi uma experiência terrível às vésperas de um réveillon, que jamais será esquecida”.

“Sou mais uma vítima de assalto. Fui abordado na orla de Ipanema, no último dia 23, em plena luz do dia: às 11h57m. Sozinho, eu terminava meu treino de bicicleta quando, de repente, fui cercado por uns seis rapazes. Eu havia acabado de parar para tomar uma água de coco, e eles chegaram com agressividade.

Fui abordado por um, e quando olhei para o lado, tinha dois roubando minha bicicleta. Tentei pegar meu celular, que estava preso no guidão: foi aí que levei um soco no rosto. Levaram minha bicicleta e meu telefone. A orla estava cheia, mas não havia policiamento naquele momento. Não tinha como fazer nada. Até gritei “polícia!”, mas olhei para os lados e não encontrei ninguém para me socorrer. Os ladrões surgiram do nada.

Reparei que os bandidos não estão mais andando em grupo, ficam espalhados só esperando a melhor oportunidade. Não foi a primeira vez que fui assaltado. Isso já aconteceu há alguns anos, na porta da minha casa e com arma na cabeça. Mas eu nunca imaginaria uma abordagem dessas, mesmo sem o uso de armas, na orla de Ipanema, com a praia lotada.

Infelizmente, o trecho próximo à Rua Teixeira de Melo parece ser uma rota perfeita para assaltantes”.

Fonte: O Globo