O mercado de saúde suplementar, apesar do quadro econômico menos favorável, vai manter uma taxa de expansão entre 3,5% e 4% este ano. Duas variáveis importantes, a renda das famílias e a baixa taxa de desemprego, são o passaporte para a expansão da atividade. Em entrevista exclusiva ao Portal da CNseg, Marcio Sêroa de Araujo Coriolano, presidente da FenaSaúde, afirma temer que a operação das empresas seja prejudicada por um ambiente regulatório impreciso, ao referir-se à suspensão recorrente da venda de planos pela ANS, e declara-se esperançoso de que haja critérios de avaliação transparentes e a adoção de metodologias precisas de monitoramento do atendimento, que espelhem a realidade de cada operadora avaliada. Veja a íntegra da entrevista.

Olhando para os dados macroeconômicos, constata-se o enfraquecimento da economia em 2014, incluindo um aumento da taxa de desemprego em alguns estados, como os do Nordeste, a partir da nova metodologia adotada pelo IBGE, algo importante para o mercado de saúde suplementar. Ao lado disso, a inflação mostra-se resistente e o Copom mantém o ciclo de alta de juros. O crescimento esperado também é cada vez mais baixo, agora na faixa de 1,79%, segundo a última pesquisa Focus.Como a combinação desses fatores afetará o mercado de Saúde Suplementar, tendo em vista que o senhor diz que “o crescimento continua respondendo ao ciclo positivo de aumento de renda e de manutenção do nível de emprego, dois principais combustíveis do setor de saúde suplementar”. Esta conjuntura menos favorável altera a previsão inicial de crescimento do mercado de saúde suplementar, estimada entre 3,5% e 4%?

Independente da comparação da atual conjuntura econômica com período mais próspero, eu acho que os fundamentos do progresso permanecem. O rendimento familiar médio continua alto. Assim como os índices de desemprego estão baixos. E a ampliação, para os colaboradores, dos benefícios de saúde e odontológico ainda é uma prioridade das empresas de todos os tamanhos. Essa previsão de crescimento do mercado de planos privados de 3,5% a 4% leva em consideração todo o mercado, entre planos médicos e odontológicos. Se focarmos somente nos planos médicos, a expectativa é que no ano de 2014 se observe a manutenção das taxas de crescimento do ano anterior, que foi de 3,2% até setembro. Já quanto aos planos odontológicos, espera-se que tenha maior crescimento do que o observado em 2013, muito tímido, de 4,2% contra média de 17% nos últimos 6 anos.
Essa previsão para 2014 já reflete a desaceleração do mercado de saúde suplementar observada desde 2011, por conta do próprio cenário internacional e de desaquecimento da nossa economia. O setor vinha se expandindo a índices anuais médios em torno de 5,5% nos cinco anos anteriores a 2011. Em 2013, vimos que esse ritmo manteve o comportamento dos dois anos precedentes. Os índices ainda são positivos, porque a população cresce a uma taxa da ordem de 0,8%.

Neste momento, mais operadoras terão os planos suspensos pela ANS, demonstrando o rigor regulatório. O senhor tem criticado, veementemente, esta metodologia da ANS, porque, segundo o senhor, ainda que todo o mercado ofertante de planos e seguros de saúde melhore continuamente o seu desempenho, pelas “medianas” sempre haverá operadoras “culpadas” e que serão punidas. No seu artigo, o senhor fala de um futuro imprevisível, se persistir esta metodologia. O que significa isto?

Significa que a operação das empresas é prejudicada por um ambiente regulatório impreciso. A FenaSaúde defende critérios de avaliação transparentes e a adoção de metodologias precisas de monitoramento do atendimento, que espelhem a realidade de cada operadora avaliada, reduzindo as incertezas no processo de apuração das reclamações dos beneficiários de planos de saúde.
Já temos observado iniciativas da ANS no sentido de buscar o aperfeiçoamento da atual metodologia. Por solicitação da própria FenaSaúde a Agência criou um Grupo Técnico para debater a reforma dos critérios de monitoramento do atendimento, e os trabalhos estão em andamento. A expectativa dos 17 grupos associados à FenaSaúde é que esta atividade gere resultados em favor dos beneficiários dos planos de saúde e da sustentabilidade do mercado. Apoiamos a regulação do mercado, mas sempre propomos que seja fundada em bases de previsibilidade para todo o sistema.

Vale ressaltar que os prazos para atendimento estipulados no Brasil estão entre os mais restritivos do mundo. Estudos oficiais da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) apontam que, em países como Canadá, Austrália, Suécia e França, metade da população, em média, aguarda mais de quatro semanas por uma consulta com especialista. Neste mesmo grupo de países, aproximadamente 20% da população aguarda mais de quatro meses para fazer uma cirurgia. No Brasil, o prazo fixado para atendimento ao beneficiário na saúde privada é de sete dias para consultas e 21 dias para cirurgias eletivas. Ainda assim, as operadoras de planos de saúde empenham esforços contínuos para atender às regulamentações dentro dos prazos estabelecidos, mesmo diante da insuficiência de infraestrutura médica em várias localidades do país.

Em recente palestra, o economista Mendonça de Barros deixou claro que o risco da “tempestade perfeita” persiste, acrescentando que os gatilhos que podem detoná-la são um eventual rebaixamento do rating de crédito do País; as manifestações populares; e os problemas na oferta de energia, em virtude de irregularidades no ciclo de chuvas. Este não é o melhor dos mundos para a Saúde Suplementar. Esta possibilidade é considerada factível pelos executivos de Saúde Suplementar? Quais seriam as consequências em termos de estratégia comercial (prêmios maiores ou menores, concentração por modalidade etc)?

As avaliações econômicas para o futuro do Brasil são as mais variadas. Para a saúde privada, assim como a saúde pública, as maiores ameaças são de outra natureza que problemas socioambientais. Os grandes desafios vêm dos efeitos das transições etária e epidemiológica, e da longevidade. A capacidade de reagir a mudanças sociais e econômicas varia de operadora para operadora, de acordo com o porte de cada empresa, composição de suas carteiras e estratégias comerciais. Mas todas já estão se preparando para um cenário futuro de maiores riscos fruto da nova demografia. O cardápio de medidas não muda muito: realismo tarifário, gestão ativa de custos assistenciais, incentivo a promoção da saúde e prevenção de doenças.

Os mais pessimistas afirmam que o dólar poderá ter forte alta este ano, alcançando até R$ 2,70. Em relação à inflação médica, o câmbio pode afetar as despesas das operadoras, já que ainda há uma forte dependência tecnológica?

Ainda que o dólar possa geral algum impacto nos insumos importados, essa não é a maior preocupação do setor em relação à chamada inflação médica. No caso dos serviços de saúde, tanto no Brasil quanto no resto do mundo, a inflação médica é descolada da inflação que mede os demais preços da economia. Isso ocorre principalmente por razões de ordem tecnológicas, mas também tem grande influência da cadeia de insumos e da frequência de uso.

Há urgência por mais transparência na formação dos custos assistenciais, especialmente na indústria de materiais e medicamentos. Em 2012, as despesas assistenciais das associadas à Federação Nacional de Saúde Suplementar (FenaSaúde) somaram R$ 30,5 bilhões. Mais da metade destas despesas (R$ 15,8 bilhões) foi devido a internações, sendo cerca de 66% destes custos provenientes de órteses, próteses e materiais de alto custo.

As operadoras associadas à FenaSaúde têm avançado muito no diálogo com o mercado, visando contribuir para um sistema financeiramente viável, o que significa proteger o consumidor de desperdícios e da prescrição de procedimentos que não atende aos protocolos ou às diretrizes clínicas ou de utilização.É preciso avaliação de indicações médicas e da indústria de materiais e medicamentos quanto a procedimentos que podem não obedecer às melhores práticas reconhecidas como tal pelas sociedades de especialidades médicas. Neste sentido, a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) também já se comprometeu a incluir a questão dos custos com OPME na agenda regulatória do setor.

No mundo, existe um debate público sobre quando as inovações médicas, efetivas ou não, têm custos que excedem os benefícios. No Brasil, há uma reclamação sobre os custos crescentes do rol de procedimento e alguma negociação nesse sentido com a ANS?

O debate também já chegou ao Brasil. A incorporação tecnológica é importante, mas cada procedimento e equipamento acrescidos às rotinas de tratamentos devem ter sua eficiência e seus resultados comprovados, sendo adotados apenas quando indispensáveis ao restabelecimento da saúde. Os efeitos da inflação médica e da ampliação de coberturas do “Rol de Eventos e Procedimentos em Saúde” editado pela ANS, que aumentam a distância entre os custos assistenciais das operadoras de saúde e a inflação geral de preços – referência para o orçamento de famílias e empresas – serão sentidos diretamente pelos beneficiários de planos de saúde, que são a única fonte de recursos para o setor.

Esse cenário exigirá coragem do órgão regulador e da cadeia produtiva da saúde – formada pela indústria de insumos médicos e pelos prestadores de serviços hospitalares e laboratórios – para que seja feita uma revisão da regulamentação de cobertura, resultando em mais eficiência, controle de custos e contenção dos desperdícios.

As operadoras privadas de planos e seguros de saúde já estão fazendo sua parte, reduzindo margens e despesas operacionais. A FenaSaúde tem liderado as discussões e propôs a criação de uma Câmara Técnica para avaliar e discutir a incorporação tecnológica, segundo critérios de custo-efetividade. Resta à cadeia produtiva e à ANS darem sua contribuição.

Um dos novos textos para debates do IESS diz que “diversos estudos reportam que os gastos desnecessários representam entre 20% e 30% do dispêndio total com saúde nos Estados Unidos. Com base no PIB americano de 2011, isso significaria um desperdício entre US$ 543 bilhões e 815 US$ bilhões. Esse fenômeno está relacionado a uma série de distorções observadas no mercado de bens e serviços de saúde, estas são: a) falhas assistenciais, de coordenação e de precificação, uso desnecessário, complexidade administrativa e práticas fraudulentas e abusivas. O senhor concorda que, no mercado brasileiro, este quadro também ocorra e quais são as medidas para corrigir tais distorções?

É fato que no Brasil ocorre muito desperdício na área médica. Isso se deve, em parte, à própria formatação do nosso sistema de saúde suplementar. O modelo atual de remuneração a prestadores de serviços não estimula a eficiência, pois remunera a cada procedimento realizado. É preciso chegar a um modelo que, paralelamente ao estímulo à melhoria no estado de saúde das pessoas, combata desperdícios e excessos. O pagamento deve ser orientado pelos resultados, pelos benefícios para o paciente.

Ainda que as pesquisas apontem que há um índice alto de desperdício nos Estados Unidos, o modelo de seguro saúde privado adotado pelo país, baseado em franquias, combate os excessos. Nos EUA, a maioria dos planos estabelece um limite de gastos anual e, em seguida, uma franquia em que a seguradora paga uma parte do valor cobrado pelos prestadores de serviços a cada procedimento realizado e o beneficiário paga a outra parte.

Antes de 2008, a inflação médica americana era maior que a inflação geral de preços – quadro que hoje se observa no Brasil. Porém, após 2008, quando o desequilíbrio na maior economia do mundo desencadeou uma crise econômica mundial, diminuindo a oferta de crédito e o dinheiro disponível no orçamento das famílias, a população usuária norte-americana passou a questionar a real necessidade da realização dos procedimentos médicos recomendados, considerando que a franquia sai do bolso dela. Esse foi um fator determinante para a reversão da inflação médica nos Estados Unidos, que hoje se tornou menor que a inflação geral de preços. Esse caso indica a eficiência dos sistemas que estimulam a fiscalização do consumidor.

Fonte: CNseg